Chega um certo momento na vida em que uma pergunta nos assalta em silêncio: fui um bom filho ou filha? A resposta, porém, não vem fácil quando se cresce em famílias onde nunca houve diálogo verdadeiro, apenas ruídos de acusações, silêncios pesados ou palavras ditas sem escuta. É como procurar um reflexo num espelho partido — vemos fragmentos, nunca a imagem inteira. Talvez tenhamos dado amor, mas sem nunca saber se foi entendido ou recebido. Talvez tenhamos sido obedientes, mas sem nunca sentir reconhecimento. E ficamos nesse limbo: como medir a bondade de um filho quando a casa nunca foi lugar de encontro, mas de desencontro?
Num lar disfuncional, as palavras
não circulam para unir, mas para ferir, ou então não circulam de todo.
Crescemos sem referências claras, sem a certeza de sermos vistos, e assim
também sem saber como fomos recebidos. Fomos bons filhos? Ou apenas peças de um
jogo em que ninguém conhecia as regras?
Muitos de nós carregamos uma
culpa silenciosa, como se tivéssemos falhado em dar algo que nunca nos foi
pedido de forma clara. A criança que fomos aprendeu a sobreviver, a calar para
não ferir, a obedecer para não perder migalhas de afeto. E, mais tarde, o
adulto olha para trás e pergunta se deveria ter feito mais — sem perceber que
já tinha feito o possível dentro do impossível.
Ser bom filho não é apenas
cumprir expectativas invisíveis, mas poder crescer num espaço de amor, escuta e
reconhecimento. Quando esse espaço não existe, a pergunta já nasce viciada:
como ser bom num terreno onde a semente nunca foi regada? Talvez o problema não
esteja em nós, mas na ausência de um solo fértil.
Chega um tempo em que percebemos
que a resposta não está no passado, mas no presente. Ser bom filho talvez seja,
no fim, não repetir a violência, não propagar o silêncio, não deixar que a dor
herdada determine quem somos. Ser bom filho pode significar libertar-se da
necessidade de aprovação e criar, em nós e nos que amamos, a família autêntica
que nos faltou.
Eu não deixo descendência, mas sei
que se tivesse tido filhos, eu tentaria dar a melhor educação com afetos e baseada
na autenticidade de cada ser gerado - sem ousar querer medir tudo pela mesma bitola - dando
a hipótese de argumentação e chegar a uma (ou mais) conclusão unânime e compreensível
para todos, numa constante reciprocidade de aprendizagem, porque ninguém nasce
ensinado, obviamente, nem pais nem filhos. Nenhum de nós!