domingo, 14 de junho de 2015

Relações ou ralações

Com o tempo ou com a idade vamos observando tudo à nossa volta de maneira mais subtil, ou sob outro prisma. Nem tudo nos agrada e ficamos sensíveis a tudo o que acontece. Passamos a preferir a solidão do que a multidão, falo por mim. Nem sempre na família recebemos os afetos que precisamos, apenas há os encontros esporádicos em que se come e bebe e pouco há a dizer uns aos outros. No mundo há muitos filhos do desamor. Mas a vida continua, e vamos colmatando as nossas carências em outras áreas da vida, se possível.
Geralmente até parece que a vida do "vizinho" é mais divertida do que a nossa, tem um casamento ou união mais feliz, a família mais unida e com mais saúde, as finanças com mais solidez... Enfim, pelo que observamos superficialmente, às vezes os outros parecem a própria felicidade em pessoa. Porém, tenho aprendido que somente a intimidade mostra quem é quem ou, como diz o povo “cada qual sabe onde o sapato lhe aperta”.

Tenho andado atenta a tanta solidão que existe (acompanhada ou não). Porque para se sentir só não é preciso estar só. Nota-se muita tristeza nas pessoas, cujas mágoas vão disfarçando com algumas risadas em momentos descontraídos, e até nos espantamos quando nos contam os seus “dramas”. Muita gente com casamentos desmoronados, em especial o caso da mulher que preferia estar só mas não tem como sobreviver sozinha. Trabalhou uma vida inteira, cuidou sempre de tudo (marido, casa, filhos) e quando fica desempregada e sem hipótese de encontrar novo trabalho, por causa da idade, sente-se dependente e às vezes humilhada pelo marido... Ou os (homens) que poderiam sair fora mas não o fazem pois há que “agir em prol do bem comum”, em nome dos filhos (desculpas) ou outros interesses que se levantam... e vivem uma vida a dois só de fachada.

Ansiedade: uma doença que alastra, e que deriva da atual conjuntura. Pessoas amigas que escolheram ficar sós porque estavam infelizes no relacionamento, largaram tudo; umas conseguem ficar bem (aparentemente), outras vivem ansiosas, a batalhar arduamente por uma vida digna, tendo passado ou estando a passar por períodos de depressão, por causa de problemas de saúde, seja por falta de dinheiro ou de trabalho e com filhos para criar… tantas situações que nos incomodam e não se consegue ajudar.São as escolhas de cada um(a), o caminho que se deve percorrer.

Dá que pensar o facto de vermos tanta gente a preferir ficar só hoje em dia, homens e mulheres. Mas também ainda há quem se amedronte com a solidão. Fazem-nos tanta falta esses momentos ou períodos em que a gente cria, reflete, relaxa, escuta-se, reconhece-se ou estranha-se, distingue o que é necessário do que é supérfluo, avalia quais são os verdadeiros problemas, mergulha numa leitura apaixonante, ouve o CD que andava esquecido na prateleira e que acalma, ou busca no silêncio o conforto que não vem das palavras de ninguém.
Ainda há quem se iluda e queira ter filhos, e aquela de “vou casar-me para ter quem cuide de mim quando adoecer na velhice”… até isso está a perder o sentido. Por infelicidade, há quem adoeça bem antes da velhice... e é mesmo uma sorte encontrar alguém que cuide da gente, nos bons e maus momentos... Portanto, tudo é relativo nesta vida.

Jovens que se casam super felizes com a pessoa que consideram ideal, ou que agradou de alguma forma, e com o tempo descobrem, na intimidade, que a "cara-metade" não é nada daquilo que esperavam ou imaginavam. Aconteceu isso comigo, não fui a primeira nem a última. O tempo e a intimidade mostram que muita coisa perde o seu encanto, especialmente quando entra em cena o desrespeito pelo outro, a atração fica com gosto de remédio amargo. O mesmo pode acontecer com um novo namorado, novas amizades, sócios, colegas de trabalho e até mesmo parentes.

Quem está sozinho tenta encontrar a “alma gémea”, quem está (mal) acompanhado gostaria de livrar-se de algum peso; há também quem esteja bem acompanhado e prevarica, ignorando que corre o risco de “ trocar de defeito” - como é complicado viver hoje em dia! 

Fico enternecida quando reparo em casais idosos trocando carinhos ou caminhando pelas ruas de mão dada, sonho que quero isso para mim, sou assim uma sentimentaloide inveterada, nunca desisto de sonhar.
Já dizia o poeta que “ninguém é feliz sozinho”. Não me sinto uma solitária. Tenho o meu mundo povoado de personagens e agora descobri a escrita como terapia. Reúno-me frequentemente com pessoas amigas, gosto de ir dançar, conviver, sou apaixonada pela vida. Uma mulher só, mas com um mundo interior povoado de gente, enquanto há tantas pessoas rodeadas de muitos e que têm um mundo interior pobre e solitário, carente de afetos, e não se percebem como solitárias.

Quando a gente aprende a apreciar o carinho da liberdade que vem com a solidão, o medo de estar só vai passando e, ironicamente, quando isso acontece, quando nos sentimos bem sozinhos, geralmente é sinal de que estamos mais preparados para conviver e formar vínculos, ou seja, para desfrutar de outros carinhos. Então fica-se junto com alguém por escolha, por vontade (e depois pode dar certo ou não, claro), e não pelo medo de viver só, que costuma ser o ponto de partida de tantos relacionamentos complicados.
Nós, os humanos, somos realmente misteriosos e complicados!

Tenho vontade de continuar a divagar aqui sobre a solidão. Descobri recentemente que alguém inventou a palavra ‘sozinhez’ para descrever a ‘solidão que faz bem’, aquela que nos faz companhia, o estar só que não dói, às vezes até pode doer um pouquinho, mas não ameaça nem assusta. No máximo, entristece. Mas trata-se de uma escolha.
“Quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho? / 
vivo tranquilo, a liberdade é quem me faz carinho”


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Vale tudo...

Aquela cidade faz-lhe lembrar muito o lugar de Angola onde ela viveu dos 4 aos 17 anos, por isso se sente tão bem ali, apesar de tanto calor no início de junho, está a imaginar como será no verão… e mesmo assim, não tem saudades de casa? Algo a prende ali, vai voltar, vai tentar… se não tentar, nunca vai poder saber se daria certo ou não.
Acordou na casa da amiga que a acolheu temporariamente e cuja subsistência provem dos serviços de limpeza que vai prestando aqui e ali, ou em casas de férias. A amiga acorda cedo todos os dias para ir trabalhar e naquela manhã ligou-lhe um senhor a precisar dos seus serviços, para limpar um apartamento de férias que tinha acabado de ficar vazio e todo sujo. As pessoas não têm cuidado com o que é dos outros, ou talvez na casa delas também seja assim, uma porcaria. Ou, como diz o brasileiro “tô pagando!” (e vale tudo)

Estava com a agenda preenchida e ainda tinha que ver à pressa, antes de sair, quem poderia arranjar para fazer aquele serviço em vez dela. Olhou para a amiga visitante ainda meio ensonada, acabada de acordar no sofá que lhe deu mau dormir e disse “que tal, eras capaz de o fazer?”. A outra, licenciada e ultimamente quase sempre no desemprego forçado e sem saber por qual caminho enveredar, respondeu “porque não, vamos lá ver como me safo dessa”…

E lá foi ela, combinou encontrar-se com o dono do apartamento, que vinha acompanhado por outro mais velho e simpático, até tinha ar de gringo, e era quem conhecia melhor a cidade. Quando a viram chegar, não conseguiram disfarçar um ar de surpresa do tipo “de onde saiu esta madame?”… pensou ela. Porque uma vez numa sapataria foi tratada de “madame” o tempo todo, e achou isso estranho, terá mesmo ar de madame? Nunca podia imaginar isso. Pelo caminho iam conversando os 3, e o que levava o carro (o tal senhor com ar de gringo, aparentava uns 70 anos aprox.) não resistiu e disse “os telemóveis deviam ter vídeo para a gente ver com quem se fala, de repente aparece-nos assim uma mulher bonita”… ela achou piada e sentiu-se lisonjeada, e aproveitou para comentar que não há melhor beleza que a interior. Assim quebrava um pouco o constrangimento.

Chegados ao local, ela ficou no apartamento T2 vazio, foram 4 horas de limpeza 'nonstop' ao som de boa música no canal VH1 e, depois de limpo, até tinha muito bom ar e dava vontade de alugá-lo para umas próximas férias ou, quando saísse o euromilhões, comprá-lo… ainda tinha a placa de venda na varanda.


Quem sabe, esta poderia ser uma hipótese de trabalho naquele lugar, não desgostou da ideia. A seguir, sentou-se num restaurante que serve boas sardinhas, onde o garçon já vinha a falar inglês e ela avisou-o que podia poupar o idioma que tão bem aprendeu. Ele ficou sem graça, e para compensar depois deu-lhe um ‘cheirinho’ com o café, oferta da casa. A seguir, sem precisar de fazer a digestão, ainda foi dar uns bons mergulhos nas ondas do mar quase morno…


Historinhas como esta fazem parte de uma vida cigana onde não existe a monotonia…

(…) A gente às vezes sente, sofre, dança
Sem querer dançar
Na nossa festa vale tudo 
Vale ser alguém como eu, como você (…)