Com o tempo ou com a idade vamos observando tudo à nossa
volta de maneira mais subtil, ou sob outro prisma. Nem tudo nos agrada e
ficamos sensíveis a tudo o que acontece. Passamos a preferir a solidão do que a
multidão, falo por mim. Nem sempre na família recebemos os afetos que precisamos, apenas há os encontros esporádicos em que se come e bebe e pouco há a dizer uns
aos outros. No mundo há muitos filhos do desamor. Mas a vida continua, e vamos
colmatando as nossas carências em outras áreas da vida, se possível.
Geralmente até parece que a vida do "vizinho" é mais
divertida do que a nossa, tem um casamento ou união mais feliz, a família mais unida e com mais saúde, as
finanças com mais solidez... Enfim, pelo que observamos superficialmente, às vezes os outros parecem a própria felicidade em pessoa. Porém, tenho aprendido que somente
a intimidade mostra quem é quem ou, como diz o povo “cada qual sabe onde o sapato lhe aperta”.
Tenho andado atenta a tanta solidão que existe (acompanhada
ou não). Porque para se sentir só não é preciso estar só. Nota-se muita
tristeza nas pessoas, cujas mágoas vão disfarçando com algumas
risadas em momentos descontraídos, e até nos espantamos quando nos contam os
seus “dramas”. Muita gente com casamentos desmoronados, em especial o caso da mulher que preferia estar só mas não tem como
sobreviver sozinha. Trabalhou uma vida inteira, cuidou sempre de tudo (marido, casa, filhos) e quando fica desempregada e sem hipótese de encontrar novo trabalho, por causa da idade, sente-se dependente e às vezes humilhada pelo marido... Ou os (homens) que poderiam sair fora mas não o fazem pois há que “agir
em prol do bem comum”, em nome dos filhos (desculpas) ou outros interesses que se levantam... e vivem uma vida a dois só de fachada.
Ansiedade: uma doença que alastra, e que deriva da atual conjuntura. Pessoas amigas que escolheram ficar sós porque estavam infelizes no relacionamento, largaram tudo; umas conseguem ficar bem (aparentemente), outras vivem ansiosas, a batalhar arduamente por uma vida digna, tendo passado ou estando a passar por períodos de
depressão, por causa de problemas de saúde, seja por falta de dinheiro ou de
trabalho e com filhos para criar… tantas situações que nos incomodam e não se consegue ajudar.São as escolhas de cada um(a), o caminho que se deve percorrer.
Dá que pensar o facto de vermos tanta gente a preferir ficar
só hoje em dia, homens e mulheres. Mas também ainda há quem se amedronte com a
solidão. Fazem-nos tanta falta esses momentos ou períodos em que a gente
cria, reflete, relaxa, escuta-se, reconhece-se ou estranha-se, distingue o que
é necessário do que é supérfluo, avalia quais são os verdadeiros problemas,
mergulha numa leitura apaixonante, ouve o CD que andava esquecido na prateleira
e que acalma, ou busca no silêncio o conforto que não vem das palavras de
ninguém.
Ainda há quem se iluda e queira ter filhos, e aquela de “vou
casar-me para ter quem cuide de mim quando adoecer na velhice”… até isso está a perder o sentido. Por infelicidade, há quem adoeça bem antes da velhice... e é mesmo uma sorte encontrar alguém que cuide da gente, nos bons e maus momentos...
Portanto, tudo é relativo nesta vida.
Jovens que se casam super felizes com a pessoa que consideram ideal, ou que agradou de alguma forma, e com o tempo descobrem, na intimidade, que a "cara-metade" não é nada daquilo que esperavam ou imaginavam. Aconteceu isso comigo, não fui a primeira nem a última. O tempo e a intimidade mostram que muita coisa perde o seu encanto, especialmente quando entra em cena o desrespeito pelo outro, a atração fica com gosto de remédio amargo. O mesmo pode acontecer com um novo namorado, novas amizades, sócios, colegas de trabalho e até mesmo parentes.
Quem está sozinho tenta encontrar a “alma gémea”, quem está
(mal) acompanhado gostaria de livrar-se de algum peso; há também quem esteja
bem acompanhado e prevarica, ignorando que corre o risco de “ trocar de
defeito” - como é complicado viver hoje em dia!
Fico enternecida quando reparo em
casais idosos trocando carinhos ou caminhando pelas ruas de mão dada, sonho que
quero isso para mim, sou assim uma sentimentaloide inveterada, nunca desisto de
sonhar.
Já dizia o poeta que “ninguém é feliz sozinho”. Não me sinto uma
solitária. Tenho o meu mundo
povoado de personagens e agora descobri a escrita como terapia. Reúno-me
frequentemente com pessoas amigas, gosto de ir dançar, conviver, sou apaixonada
pela vida. Uma mulher só, mas com um mundo interior povoado de gente, enquanto
há tantas pessoas rodeadas de muitos e que têm um mundo interior pobre e
solitário, carente de afetos, e não se percebem como solitárias.
Quando a gente aprende a apreciar o carinho da liberdade que
vem com a solidão, o medo de estar só vai passando e, ironicamente, quando isso
acontece, quando nos sentimos bem sozinhos, geralmente é sinal de que estamos
mais preparados para conviver e formar vínculos, ou seja, para desfrutar de
outros carinhos. Então fica-se junto com alguém por escolha, por vontade (e
depois pode dar certo ou não, claro), e não pelo medo de viver só, que costuma
ser o ponto de partida de tantos relacionamentos complicados.
Nós, os humanos,
somos realmente misteriosos e complicados!
Tenho vontade
de continuar a divagar aqui sobre a solidão. Descobri recentemente que alguém inventou a palavra ‘sozinhez’ para descrever a ‘solidão que faz bem’, aquela
que nos faz companhia, o estar só que não dói, às vezes até pode doer um pouquinho,
mas não ameaça nem assusta. No máximo, entristece. Mas trata-se de uma escolha.
“Quem foi que disse que é
impossível ser feliz sozinho? /
vivo tranquilo, a liberdade é quem me faz
carinho”