Foi muito triste a notícia
de sábado passado sobre a morte - por suicídio - de um ator conhecido, famoso e
querido por todos, aparentemente com uma vida fantástica e sem algum problema
em especial. Deixa cinco filhos! Eu costumo dizer que este mundo não é para
pessoas sensíveis, infelizmente. E não é à toa que há quem se dedique mais aos
bichos do que aos humanos. Chegar a esse ponto também não é para qualquer um.
Eu ainda coloco o humano em 1º lugar…
Gostei do seguinte texto,
que quero deixar aqui registado. Que essa “coisa” nunca seja mais forte do que
a nossa fé e otimismo perante a VIDA, pois “não há bem que sempre dure, nem mal
que nunca se acabe”… pois tudo se acabará um dia, naturalmente…
DESPEDIDA
Estamos num tempo
insensato, estranho, inquieto, incisivo.
O Pedro abriu dentro
de mim uma porta muito grande, ao entregar a vida ao mar. Ele disse, a fazer, o
que os textos não podem, o que todas as palavras juntas não sabem.
Se o tempo não fosse
estranho não escreveria nada, se não estivesse tão insensata como inquieta,
deixaria só sair a água dos olhos, essa memória mar inscrita na matriz
biológica.
Agora todos temos a
possibilidade de dizer e ser no espaço virtual, opinião e exposição. Não é o
meu território normal. Mas arrisco a ir para fora de pé, outro mar, tempo
insensato e serei estranha até a mim mesma, nesse lugar sem conforto e sem
resguardo.
Devo-o ao Pedro, ao silêncio que se dilata e dilata.
Queria muito agora,
ser oceano colo, embalo maior, sal que cura e dizer e ser ouvida, meu querido,
meu querido, meu querido Pedro, a quem nunca disse que gostava. E gostava, e
gosto e gostarei sempre, porque habitamos o tempo que é nosso e até ao nosso
fim, com os que escolhemos amar.
E quero dizer este eco
que gritou/grita dentro, sábado e estes dias, quando um grande conjunto de
pessoas, insistentemente, perguntou e pergunta: porquê, Pedro, porquê?
E apetece-me
gritar-lhes,
Não perguntem porquê.
Esta COISA não tem porquês! Existe, invade, come, come-nos!
Esta COISA não se explica, não se percebe, não tem racionalidade, não se
controla.
Cresce no escuro, não se vê, esconde-se e agiganta-se. Começa devagar, por
momentos, às vezes, parece que desaparece, mas subtilmente vai tomando conta de
tudo, e ausente de luz não nos permite vislumbrar até onde vai, sequer que
existe. Esta COISA dói, asfixia, apetece matar o peito.
Não perguntem porquê.
Isto não tem porquês, não se explica.
Há alturas em que se vê começar, e só começa por doer, e dói tanto que não se
consegue, até que a dor fica insuportável e para se continuar a respirar, tem
tudo de ficar vazio, tudo vazio, e depois nada importa, nem a dor, nem o mar
mete medo ao vazio.
O que tens? Nada.
Estou triste.
E ELES explicam pedagogicamente que não faz sentido sentir assim, estar assim,
que se tem tudo; saúde, trabalho, amigos, inteligência, que a vida é uma
bênção, que vai passar, que tudo passa (até a vida), que é uma estupidez ser
assim, sentir assim. E zangam-se, dão lições de moral, elencam elogios,
qualidades da vida, as qualidades que temos, como se houvesse espaço para
acreditar, porque dentro a COISA ri-se desbragadamente ajudando a perceber que
estão a mentir-nos.
E depois, para não se ouvir mais mentiras, finge-se que sim, que se acredita, que
está tudo bem, sorri-se, disfarça-se, finge-se que não se vê, que não se vê,
que somos fortes, sempre fortes, que não tem assunto, não queremos falar mais
e, sim, que somos estúpidos mas, INACESSIVELMENTE, disfarçadamente. A COISA tem
sempre razão. Nós não valemos nada, mesmo que os outros achem que temos tudo,
porque a COISA cá dentro é a única medida de tudo, porque ela sabe, existe e
ocupa.
Não perguntem porquê.
Isto não tem porquês, não se explica.
E vai-se fechando tudo à volta e a COISA vai dominando tudo, escurecendo tudo,
apagando por dentro o corpo, às vezes até o come, seca, envelhece precocemente,
e vai crescendo proporcionalmente ao que mata em autoestima. Come até a dor, ao
ponto de nos podermos queimar, fazer feridas e não se saber que nos queimámos
ou temos feridas porque deixou de doer, porque não vimos, nem sentimos. E isto
não é metafórico, é real.
Um dia, uma amiga
percebeu que eu tinha uma COISA e disse-me "tens de te tratar". E eu fui ao
médico, e, se calhar, por isso, estou viva, porque eu não sabia que tinha uma
COISA dentro.
E fiquei a saber que a COISA nunca larga, está sempre, sempre. Depois a gente
julga que ela desapareceu, mas no auge de qualquer paisagem, percebemos que ela
esteve inteligentemente a olhar para o lado e que nunca de lá saiu, mais forte
e mais madura que nunca, cheia de esquemas e disfarces e argumentário.
Não perguntem porquê.
Isto não tem porquês, não se explica.
E nós, para além dela, da dor, amamos muito, tudo, ama-se tudo o que é fora,
que é fora de nós, porque nós somos a COISA, que queremos matar, que não se
explica, que cresce no escuro.
PEDRO QUERIDO, OBRIGADA por nos teres quase obrigado a falar disto, compelidos
por esta dor sem nome da tua perda, mas de certeza a olharmos mais atentamente
e melhor uns pelos outros, a olhar para e por nós, com todo o cuidado, amor,
delicadeza e sem fingimento.
E, um dia ao amanhecer, encontraremos outro mar, aí nesse lugar onde nos
encontraremos todos… para recomeçar…
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