quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Filhos pródigos

Chega um certo momento na vida em que uma pergunta nos assalta em silêncio: fui um bom filho ou filha? A resposta, porém, não vem fácil quando se cresce em famílias onde nunca houve diálogo verdadeiro, apenas ruídos de acusações, silêncios pesados ou palavras ditas sem escuta. É como procurar um reflexo num espelho partido — vemos fragmentos, nunca a imagem inteira. Talvez tenhamos dado amor, mas sem nunca saber se foi entendido ou recebido. Talvez tenhamos sido obedientes, mas sem nunca sentir reconhecimento. E ficamos nesse limbo: como medir a bondade de um filho quando a casa nunca foi lugar de encontro, mas de desencontro?

Num lar disfuncional, as palavras não circulam para unir, mas para ferir, ou então não circulam de todo. Crescemos sem referências claras, sem a certeza de sermos vistos, e assim também sem saber como fomos recebidos. Fomos bons filhos? Ou apenas peças de um jogo em que ninguém conhecia as regras?

Muitos de nós carregamos uma culpa silenciosa, como se tivéssemos falhado em dar algo que nunca nos foi pedido de forma clara. A criança que fomos aprendeu a sobreviver, a calar para não ferir, a obedecer para não perder migalhas de afeto. E, mais tarde, o adulto olha para trás e pergunta se deveria ter feito mais — sem perceber que já tinha feito o possível dentro do impossível.

Ser bom filho não é apenas cumprir expectativas invisíveis, mas poder crescer num espaço de amor, escuta e reconhecimento. Quando esse espaço não existe, a pergunta já nasce viciada: como ser bom num terreno onde a semente nunca foi regada? Talvez o problema não esteja em nós, mas na ausência de um solo fértil.

Chega um tempo em que percebemos que a resposta não está no passado, mas no presente. Ser bom filho talvez seja, no fim, não repetir a violência, não propagar o silêncio, não deixar que a dor herdada determine quem somos. Ser bom filho pode significar libertar-se da necessidade de aprovação e criar, em nós e nos que amamos, a família autêntica que nos faltou.

Eu não deixo descendência, mas sei que se tivesse tido filhos, eu tentaria dar a melhor educação com afetos e baseada na autenticidade de cada ser gerado - sem ousar querer medir tudo pela mesma bitola - dando a hipótese de argumentação e chegar a uma (ou mais) conclusão unânime e compreensível para todos, numa constante reciprocidade de aprendizagem, porque ninguém nasce ensinado, obviamente, nem pais nem filhos. Nenhum de nós!  

 (foi só um desabafo, um momento introspetivo, vulnerável)


Filosofar o Amor

Quando dois estranhos se amam, o que pode acontecer?

Quando dois estranhos se encontram por acaso, tudo parece improvável. Não há um destino marcado, apenas a vida a correr normalmente, até que, por alguma razão ainda misteriosa, dois seres se cruzam e decidem não mais soltar-se, primeiro com certa relutância de uma das partes. Neste mundo com tanta anormalidade, e insanidade mental, todo o cuidado é pouco.

Foi assim com ele, rapaz jovem e estrangeiro que chegou a uma terra algarvia, trazendo na mala a memória do seu país e a inquietação de quem ainda procura um lugar ao sol. E foi assim com ela, uma mulher madura do Norte que, ao longo da vida, foi se reconstruindo com raízes fortes e a coragem necessária, e ainda alguma Sorte, num lugar onde o mar e o céu se juntam e têm a cor mais azul.

O que pode acontecer quando dois estranhos desejam amar-se, além de todos os preconceitos que ainda possam existir num mundo nitidamente em decadência? Talvez o que Aristóteles chamava de “philia” – “(…) É um amor virtuoso, baseado na reciprocidade, na igualdade e em valores compartilhados, distinto de amores mais passionais ou naturais. Para Aristóteles, a philia é fundamental para a felicidade e para o desenvolvimento da virtude, representando a relação entre amigos que se apoiam mutuamente no viver. Porém, nesta amizade amorosa, poderá haver também eros, desejo e química, há também o pathos, essa intensidade emocional que nos arrasta. Kierkegaard dizia que o amor verdadeiro é sempre um salto no escuro, um risco. E não é isso que vivemos? Arriscar amar alguém que não conhecemos totalmente, confiar na entrega, ainda que com medo das sombras do passado e das dúvidas do futuro.

A psicologia ajuda-nos a compreender: quando dois estranhos se apaixonam, projetam no outro aquilo que falta em si mesmos. Ele, estrangeiro, carrega a sede de pertença. Ela, mulher nortenha a viver no Sul, talvez ainda carregue a coragem de abrir espaço para o inesperado ou o improvável. Encontram-se assim no meio da carência e da abundância, como espelhos que se desafiam e completam.

E, no entanto, há poesia: - para ele, amá-la é como descobrir um porto seguro no meio da viagem. É como se o vento do Atlântico soprasse certezas, mesmo quando tudo dentro dele é tempestade. Ela é casa e desencontro, é mistério e clareza, é silêncio que acalma e palavra que provoca. Com tão pouco tempo, ele diz amá-la tanto. Não porque entenda todas as razões psicológicas ou filosóficas, mas porque nela encontra algo que nenhum tratado consegue explicar: a experiência viva do amor. Escreve para ela lindos textos de amor, praticamente todos os dias quando está ausente, e isso tanto a surpreende. Reconhecendo que o amor pode surgir em qualquer idade, não há primeiro nem último, apenas há o Amor que, quando puro e sem maldade, é a base da felicidade de qualquer ser humano.

Como diria Platão, o amor é um “daimon” — algo entre o humano e o divino, uma ponte. E ele sente que entre eles essa ponte já está construída, mesmo que ambos estejam ainda aprendendo a atravessá-la sem medo.

Um medo que provoca nela um “ir com calma e cuidado, sem stress”, a vida é para se ir vivendo, apreciando cada instante como se fosse o último. E ele tem muita pressa, como se o mundo fosse acabar amanhã. E, se acabar, foram felizes “para sempre” enquanto durou, tendo vivido o que era para viverem. Parece que ela emana e persegue o amor desde sempre, e agora ama o amor daquele jovem que, ainda com um pequeno currículo amoroso, e curiosamente mal sucedido, deseja de qualquer maneira entrar de cabeça em algo que desafia a “normalidade”… Mas… por que tudo e todos têm que seguir o que é banal, ou normal, seja lá o que isso for.

No fundo, quando dois estranhos se amam, o que acontece é simples e ao mesmo tempo imenso: deixam de ser estranhos. E passam a ser história.

A história intensa, estranha ainda, mas de amor recíproco entre Felipe e Lina 😊- Almas em construção

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Desapego emocional

O tempo, a vida, têm me ensinado a desapegar quando é necessário, em prol da minha saúde mental. Aprendo que o amor à distância é possível e evita sofrimento quando se trata de relacionamentos tóxicos, isso a nível familiar, amoroso ou mesmo na amizade. Continuamos a ter amor no coração, mas seguimos o nosso caminho, na solitude e de consciência tranquila, e sabendo que quando emanamos boas vibrações elas nos serão devolvidas em forma de algo bom que nos acontece. Existem presentes que não são embrulhos, mas vêm em forma de gente, que sentimos como família, aquela que escolhemos. Gente que mostra o verdadeiro sentimento, chega, transforma, cuida, e ensina que amar é o maior privilégio da vida.

Amar alguém especial é como descobrir um pedacinho do céu aqui na terra. É acordar com propósito, é ter para quem voltar, é saber que o coração tem casa. O amor verdadeiro não se compra, não se força. Ele constrói-se, cultiva-se, vive-se. Amar de verdade é o maior presente que a vida pode dar-nos. Tudo tem um tempo para acontecer. A vida é feita de ciclos e alguns são difíceis, mas a nossa luz interior é capaz de guiar-nos. 

Por vezes, as respostas da vida demoram, mas é garantido que chegam. Cedo ou tarde, a tempestade há-de ir embora e dará lugar ao sol. Confiar em Deus ou no Universo é tudo, porque Ele sabe o que faz e o que desfaz. Cair, lutar, recomeçar, e também aprender a desistir do que dói ou que não serve mais. Porque a felicidade, às vezes, está em desistir… não de nós, não da Vida… mas de algumas situações ou pessoas que nada acrescentam, ou até poderão atrapalhar.

É estranho, numa era tecnológica, com telemóveis que se tornaram autênticos apêndices humanos - pois ninguém anda sem eles - mesmo assim muito raramente alguém liga para saber “Como vais… Como estás…Há quanto tempo!"… Passa um ano ou mais e a ausência prolongada nota-se. As pessoas que nos estimam de verdade nunca se esquecerão do nosso aniversário, ao menos isso, uma vez por ano! Anda tudo tão ocupado a fazer nada ou a ocupar-se de futilidades… Porém, nas redes sociais cusca-se à vontadinha a todo o momento... É o que é e aprende-se a aceitar tudo. Uma realidade é evidente e assustadora: muita gente enganadora por aí, ou a bater mal da moina, e não nos apercebemos facilmente, há que estar atento e ter cuidado! Salve-se quem puder.



quinta-feira, 31 de julho de 2025

Entrando a gosto


AGOSTO: um mês quente que enche as praias, para quem não se importa com a multidão no areal, ou para quem só pode ir de férias nesta altura, infelizmente. Quem puder escolher, melhor fugir para locais mais frescos e tranquilos, áreas verdes com cascatas e riachos. Eu que amo o mar, talvez a temperatura da água vai começar a melhorar, pois tem estado fria nas últimas semanas, e tenho me controlado, à espera de setembro.
Agora posso dizer que estou a gosto na vida, desde 12/6/2025...uma data super esperada, quando finalmente pude acabar com as idas para um "trabalho" insípido; agora posso levar uma vida de gata, de papo para o ar, fazendo simplesmente nada, ou ir à praia e ao ginásio sempre que quiser. 
Tempo de "reset" nas emoções, tempo para viajar e visitar amigas que me convidam para ir vê-las após tanto tempo sem tempo para nada, quando esperava os curtos fins de semana que sabiam a pouco.
Fui duas semanas a Gotemburgo na Suécia, a convite de uma amiga que lá vive há muitos anos. Que cidade linda, de 20/6 a 5/7 ainda apanhei um ou outro dia cinzento, com chuva, mas nos dias de sol era um prazer poder caminhar pela cidade toda, mesmo com vento, apreciar a juventude animada a dançar na praceta para animar os transeuntes; eu sempre com o nariz no ar apaixonada pelos belos edifícios ao longo de extensas avenidas, com jardins imensos por todo o lado, que convidam a ficar na sombra, ou a tomar banhos de sol, para quem gostar ou puder. Os suecos precisam muito de sol, são uns dois meses no ano que devem aproveitar bem. O meu quarto dava para um desses jardins e logo de manhã via alguns e algumas já de calção ou biquini a tomar sol durante horas. Jardins são a praia deles, tão interessante. E pude visitar museus, ver manifestações pela rua, ou sentar na pastelaria para degustar uma doçaria diferente, sabores fantásticos que amei. Os famosos rolos de canela (kanelbullar), os de tamanho normal e os gigantes, tamanho familiar, tão bons que viciam. Mas os preços (OMG) não são para o bolso de qualquer turista. Enquanto em Portugal é ainda possível comer um bolo e tomar um café ou galão por €2.50 aprox., lá paga-se quase 10€! Em Copenhaga, ao lado (4h de comboio ou autocarro), ainda é mais caro. 
Mas valeu muito a pena apreciar outra cultura, a nórdica. Pude sentir a qualidade de vida do povo sueco, apesar de tudo o que se diga quanto à atualidade política, mas que afinal acontece a nível mundial.
A gosto voltarei lá em outra época, a natalícia por exemplo, caso haja condições para tal - primeiro, tem que me sair o Euromilhões LOL. Aproveitar para passear também por Copenhaga, ou ir a Oslo de comboio... Quem sabe, descobrir se existe um lado viking na minha ancestralidade... Fico a imaginar como será a linda cidade de Gotemburgo no natal, enfeitada de luzes por todo o lado e ver as pessoas a confraternizar alegremente naqueles bares chiques, onde vão aquecer o corpo e a Alma.
Quem tem boas amizades tem tudo...Imensamente grata!

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Viva o Amor, o real!

Assim como há o "amor" abusivo - muitos casos que sabemos - com certeza existe o amor de verdade, que vamos reconhecendo com os sinais que o tempo nos dá.

Reconhecer um amor de verdade pode ser desafiador, mas há sinais claros que o distinguem de uma paixão passageira ou de um relacionamento baseado em interesse, carência ou hábito. E valerá a pena um reset (nova tentativa) se ambos estiverem com disposição para isso, mostrando indícios de um amor verdadeiro:

- A presença genuína. A pessoa está ao teu lado nos bons e maus momentos, mesmo quando não tem nada a ganhar com isso. O apoio é constante, mesmo em silêncio ou à distância.

- Paz em vez de ansiedade. Um amor verdadeiro traz tranquilidade, não insegurança ou dúvidas constantes. Há confiança mútua, sem necessidade de provar amor o tempo todo.

- Aceitação real. A pessoa conhece os teus defeitos, falhas, manias… e ainda assim escolhe ficar. Não tenta mudar quem tu és, mas apoia o teu crescimento pessoal.

- Comunicação aberta, sincera. Existe espaço para conversas honestas, mesmo sobre temas difíceis. Há escuta ativa e respeito, sem jogos ou manipulação emocional.

- Equilíbrio e reciprocidade. Ambos se esforçam e cuidam um do outro. O amor não é uma via de mão única; há partilha emocional, tempo e energia.

- Paciência e compromisso. E compromisso não é apego, o doentio, há quem confunda. Um amor verdadeiro aguenta fases difíceis e não desiste com facilidade. A pessoa está disposta a crescer contigo, mesmo quando algo estragou o “brilho” inicial, mas é possível superar.

- Admirar e respeitar. Tão importante (para mim) a admiração mútua, pelas qualidades do outro, e não apenas a atração física. Existe respeito pelas escolhas, opiniões e liberdade de cada um.

- Continuidade com profundidade. Com o tempo, o amor amadurece e se torna mais profundo, não apenas rotineiro. A conexão emocional cresce, e não depende apenas da paixão inicial.

VIVA O AMOR, que faz falta.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Love yourself

Quando é que a gente reconhece que está a ficar velho, uma pergunta pertinente e quase filosófica. A gente não fica velha assim de repente, mas há sinais sutis (e outros bem engraçados) de que talvez começamos a notar a chegada da maturidade ou da "velhice":

1. Quando começamos a dizer:

“Na minha época…” ou pior: repetindo conselhos que os nossos pais nos davam e jurávamos que nunca faríamos isso.

2. Quando o corpo começa a mandar recados:

  • Dormir de forma errada, supostamente, e andar com dor no pescoço durante 3 dias.
  • Olhar ao espelho e ver um rosto a ficar diferente, e partes do corpo.
  • Só de pensar em sair à noite dá cansaço.
  • Achar que uma sexta ideal é pizza + sofá + silêncio.

3. Quando já não reconhecemos as músicas novas e dizemos frases do tipo “A letra das músicas de hoje não presta para nada…” e começamos a ouvir playlists de “hits dos anos 70, 80 ou 90” que agora são consideradas nostálgicas. Começar a sentir falta da forma como víamos o mundo antes de sabermos tanto sobre o que se passa agora…

4. Quando começamos a valorizar o que antes era chato

  • Dormir cedo/domingos tranquilos em casa/cuidar de plantas/tomar chás para tudo/economizar para fazer o que se gosta, incluindo tratamentos estéticos, tratar do corpo e da mente…

A verdade é que a velhice não tem a ver só com idade, mas com a forma como vemos o mundo. Há gente de 60, 70 que é mais leve e aberta do que muitos de 25. E vice-versa. Uma resposta honesta será: sabemos que estamos a ficar velhos no minuto em que paramos de gostar de viver.

Há uma famosa frase de Mark Twain: "A maioria dos homens morre aos 27 anos, nós apenas os enterramos aos 72". Porquê? Porque eles param de viver e continuam a existir. Eles envelhecem. Eles não trabalham apenas para viver... eles vivem simplesmente para trabalhar e poder ter dinheiro, com uma vida de stress, muitas vezes a dar cabo da saúde, mental e física. É por isso que tantos morrem pouco tempo após a reforma.

As crianças VIVEM! Experimentam o dia a dia, o agora, naturalmente e sem antecipar o amanhã. Quantos adultos aguardam ansiosamente os próximos anos? E veem os seus melhores anos para trás, então, eles param de viver e envelhecem.

Tenho a idade que tenho e sou grata por cada minuto de vida. E ainda vejo os meus melhores anos pela frente! Nunca parem de viver! Fiquem vivos e nunca se tornem "velhos"!



sexta-feira, 11 de julho de 2025

Com o Amor, todo o cuidado é pouco

Está difícil acreditar no ser humano, no Amor. Sim, porque acredito que todos somos feitos de amor. Em princípio, devíamos todos ter nascido dele, mas claramente nem sempre é assim. Muita gente vem ao mundo fruto do acaso, ou porque simplesmente aconteceu, foi um deslize… “Foste TU que criaste as minhas entranhas e me teceste no seio da minha mãe. Eu te louvo, porque me fizeste maravilhosa; são admiráveis as tuas obras; TU me conheces por inteiro” (Sl 139,13-14). Recentemente encontrei uma amiga que já não via há muito, parecia apreensiva enquanto me confidenciava que tem vivido uma experiência amorosa fora do normal. Ela agora numa fase de ter tempo para aproveitar o melhor da vida, enquanto houver saúde, e sem aparentar a idade que tem, com espírito jovem ainda pronta para ir dançar, ir a concertos, enfim, sempre apaixonada pela Vida, há cerca de nove semanas conheceu por acaso numa curta formação gratuita sobre comunicação um rapaz aprox. 36 anos mais novo (!) que parece ser uma mente inteligente além de super ocupado com várias atividades que escolheu para passar o tempo e ganhar dinheiro. Parece que ele se encantou (do nada) e nunca mais a largou, queria ser amigo, acompanhá-la sempre que ela quisesse ter companhia, mensagens escritas a todo o momento, um “amor” que foi se manifestando quando a convidava para sair, e queria pagar, apesar de ela dizer que as contas deviam ser divididas e ele dizia para não se preocupar, “não tinha o que fazer ao dinheiro”; não era de sair com os da idade dele, nada de noitadas, não tinha grandes gastos, e gostava de pessoas mais velhas, talvez fossem mais sossegadas, enfim, uma série de coisas que ia dizendo e ela se encantou também, como uma pessoa daquela idade era tão diferente do normal, e ia analisando a situação, que entretanto evoluiu para um amor a dois, sem pensar em consequências. (Quem sabe, teria algum papá que mandava dinheiro, imaginava ela.) Para nenhum dos dois, a diferença de idade seria um empecilho, pois, o que é isso comparado com toda a maldade e estranheza que há pelo mundo, com gente que muda de sexo ou adota bonecos como filhos, os bebés reborn…alguém poderá ter alguma moral para falar dos outros, sério? Mostrou-me fotos dos dois e até ficavam bem juntos, e felizes, não parecia nenhuma aberração, de facto. Ele gostava de cuidar dela, assim dizia, "até que a morte os separe"... insistia num relacionamento sério para assumi-la perante todos; dizia que falava aos colegas da sua namorada; também ela ainda falou dele ou apresentou-o a algumas pessoas amigas ou conhecidas, uma aconselhou muito cuidado, outras diziam “por que não, aproveita enquanto é bom, vai vendo o que acontece”. A química sexual era boa, também… até que a tal intimidade começa a gerar ciumeira ou controlo doentio, quando quer 'desenterrar' os ex dela, ou os amigos na rede social incomodam, como se fosse agora possível apagar historinhas do passado ou mais do que um casamento vivido, ou anular amizades sadias, sem mais nem menos… Enfim, começou a ficar deprimente para ela ter que se chatear com esse tipo de futilidade, a ponto de querer que ele se afastasse. Mas não, ele insistia numa amizade (que já não era, ou nunca foi), continuava a pagar tudo como se fosse endinheirado, ou €€ estariam sobrando; às vezes ela dava-lhe o dinheiro a seguir, e ele devolvia o valor com transferência por MBWay, parecia um ping pong de euros para lá e para cá. Outras vezes ela encontrava dinheiro transferido e nem sabia do que se tratava, tudo estranho assim, dava que pensar. Estaria ele comprando o “amor”, de amiga, namorada, mãe ou avó (?)... Entretanto, ela tinha que ausentar-se para uma viagem agendada com uma amiga, durante 15 dias. Teve a infeliz ideia de deixar-lhe uma chave de casa porque ele pediu que queria ir uma vez ou outra para lá, estar sossegado a estudar, porque na casa que partilhava com um colega não havia sossego com gente a entrar e sair, e outras coisas. Ela acreditou e aceitou que ele ficasse no seu “santuário” (como ele chamava a casa dela) durante os quinze dias. Falavam todos os dias, e o controlo continuava cerrado mesmo à distância. Se ela por acaso falasse que ia talvez sair ou dançar com a amiga já ouvia comentários ridículos do tipo “queres é andar a curtir com outros, és muito livre" (ou algo do género), "na tua idade devias era estar em casa, a ler um livro, ver TV ou dormir cedo...” e algo mais que denotava desconfiança, desassossego, algum tipo de transtorno… Para ele, a liberdade dela incomodava, era a pomba gira que gosta de encantar e sair com todos… Como magoava ouvir isso, nem podia acreditar no que estava acontecendo, e ela começava a desencantar-se. Nada na vida é o que parece. Aquele “amor” agora parecia doentio, obsessivo. Desde quando ela tinha que aturar este tipo de comportamento? E ouvia quase todos os dias “desculpa” “vou melhorar” te amo, te amo, te amo, e ela a desesperar, a desconfiar cada vez mais que algo não ia bem no “reino do amor” e merecia bem melhor naquela idade. Como foi se meter numa situação daquelas? Quando voltou de viagem, chegou a casa e logo percebeu que muita coisa tinha mudado de lugar, tudo tinha sido vasculhado a pente-fino: caixas, caixinhas, pastas, fotos, documentos, portátil, pen drives que nem ela já sabia onde estavam... foi uma primeira deceção que a deixou abalada, zangada com ela própria, por ser tão ingénua e confiar em alguém que mal conhece, mas que ilude tão bem com muito blablabla amoroso, e textos tão bem escritos como verdadeiras odes ao amor, como era possível? Será amor isso de vasculhar a intimidade de alguém, comprar coisas desnecessárias para a casa e deixar o frigorífico com quilos de carne e outras comidas e bebidas que ela nem aprecia, ou nem come tanto assim, para tudo ser doado a seguir (se possível isso), ou ir para a lixeira, porque ela precisa de espaço para colocar lá o que realmente gosta. O que será então a porra do amor!? Não seria respeitar, cuidar bem do alheio, ter sensibilidade para o que o outro vai gostar ou detestar… E lá vinha de novo “desculpa, vou fazer melhor”, até o dia a seguir quando ele lhe mostra e informa que tinha trazido montes de tralha em sacos enormes para guardar em casa dela pois ia ausentar-se em breve, para uma viagem de trabalho. Ela nem podia acreditar no que via, sem qualquer consentimento ou aviso prévio! Tinha a casa atulhada, quando tantas vezes já se via aflita para encaixar e organizar os seus próprios pertences. Aquilo era caso de polícia, só podia. Invasão de domicílio deve ser isso, como quem não quer nada! Foi uma grande e feia discussão, pois na sua ideia de amor e intimidade de nove semanas, ele achava que tinha todo o direito de fazer qualquer coisa sem pedir autorização. Ela sentiu-se abusada, desrespeitada, insultada, porra para o amor daquela maneira. Mandou-o tirar tudo dali e ir embora. Ele ainda pediu para deixar guardado ao menos o que era mais importante, porque na volta não sabia ainda onde iria ficar. O colega ia embora e deixar a casa. Ah OK. Ela comecou a entender tudo, podia estar a acontecer ali uma mudança sub-reptícia. E que grande lata, ele ainda se sentia a vítima, muitas vezes. A namorada é que era a pessoa fria, sem sentimentos, não o amava tanto como ele a ela!... Na discussão acesa ela ouviu mais absurdos, aquilo que se diz com a intenção de magoar, que mais parecem insultos, e ainda aproveitou para pedir de volta o dinheiro gasto com ela! Aí foi o "fim da picada"... Afinal, aquilo era um investimento financeiro no “amor”, até se endividava por ela se necessário fosse, ou então não valia a pena gastar o dinheiro que afinal nem tinha, se ela não aceitasse “tanto amor” que ele oferecia… Nada disto soava a normal. No dia seguinte ela soube que ele tinha sido levado para o hospital, passou mal, sofre do coração. Assim esta amiga tem vivido um pseudo amor, um verdadeiro drama em vários atos, penso eu. Fiquei chocada, inacreditável esta história. Como a carência das pessoas pode adoecer o amor, que devia ser sublime. Ela estava triste, dececionada. Agiu de boa fé, confiou, e depois sofreu com isso. Lição aprendida: nunca deixar ninguém em casa, no seu mundo, quando se ausentar. Entendi, quem aguentaria assim este excesso de “amor”? Eu não. O amor com o qual sonho, e essa amiga também, é de outro tipo, nada a ver com isso. Perguntei se ia estar com aquele “amor” quando voltasse, não tinha ideia ainda, mas nada provavelmente voltaria a ser a mesma coisa. Ninguém se transforma depois de adulto e de traumas vividos. Além disso, há um fosso geracional entre eles, uma educação diferente. E (como eu) também ela nunca foi de ficar presa apenas pelo lado carnal... Bem melhor teria sido mesmo uma bela amizade, mas as pessoas preferem falar de amor, seja lá o que isso for.
As pessoas com quem namoras são o reflexo do quanto tu te amas a ti próprio”… 

“Não há como envolver-se sem um certo risco. Porque uma relação não nos dá certezas. 
O que podemos é dar uma chance ao amor, sem se esquecer de levar o amor-próprio connosco. 
Amar, mas amar com consciência. 
Amar sem deixar de colocar os limites necessários e sem esquecer-se daquilo que merecemos. 
É preciso muita coragem para abrir o nosso coração para alguém, mesmo correndo o risco de sair ferido, mas é aos corajosos que o amor pertence.” (Alexandro Gruber)

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Sonhos e borboletas

Muitas emoções de repente, normal acontecer (no meu caso). E as borboletas aparecendo no aconchego do meu lar, as verdadeiras, talvez atraídas pelas artificiais que andam pelas paredes do apartamento, aqui e ali... Provavelmente isso signifique algo, como que a lembrar-me que continuo em metamorfose. Mal curti a minha adolescência, agora tenho curtido a sério a minha sexalescência. Pertenço à geração que decidiu não envelhecer, a que nasceu entre os anos 50 e 60: os novos adolescentes da maturidade. Sexalescência: um termo cheio de charme criado para definir homens e mulheres com mais de 60, que seguem ativos, vaidosos, apaixonados pela vida e pelo Amor (caso ainda apareça)… sem nenhum plano de parar. Gente que não se encaixa no velho estereótipo do “idoso quietinho”. Os novos adolescentes maduros viajam, namoram, frequentam o ginásio, fazem ioga ou meditação, SUP ou surf, fazem cursos ou aprendem idiomas, dirigem startups (se for necessário), dão match no Tinder, e ainda arrasam nos jantares com os amigos, ou vão a eventos com desconhecidos para eventualmente fazer mais amizades interessantes.
Não querem tornar-se apenas pais ou avós. Querem viver, aproveitar e bem a Vida. São os novos influentes da sociedade: têm tempo, têm opinião, sabem do que gostam e movimentam milhões em consumo — moda, turismo, saúde, gastronomia, tecnologia, experiências. E o melhor: vivem com leveza, com humor e com liberdade. Porque ser sexalescente é isso: envelhecer sim, mas só no documento de identidade que é preciso apresentar às vezes em algum lugar. Melhor ainda, quando é para obter 50% de desconto na aquisição de algo como bilhetes para espetáculos ou de transporte. De resto… é alma jovem, que ainda sonha, com mente aberta e muita história boa para viver. Carpe Diem.

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Desiste de quem te faz sofrer. Do Amor, jamais.

No cenário atual, caótico, em que há imensas queixas de falta de valores, em que até os jovens se sentem sem rumo, ou sem noção de nada, em que a IA tem a presunção de querer suplantar a inteligência humana, e outras catástrofes acontecendo por todo o lado; diante de conflitos e divisões que parecem cada vez mais intensos, não é difícil perceber um fenómeno que há muito tempo foi profetizado, para quem lê a Bíblia, um guia espiritual atemporal: “a crescente discórdia entre pais e filhos”. Nunca me deu para ler esse livro sagrado porque nunca ia entender, cada um interpretando à sua maneira, mas sei que contém diversos versículos que nos alertam sobre os tempos finais em que existe a possibilidade de ruturas nos relacionamentos familiares. Timóteo 3:1-5: “Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos…” Aqui, o apóstolo Paulo descreve uma série de características negativas que predominarão nos últimos dias. Esses traços de egoísmo, ganância e orgulho podem alimentar os conflitos entre pais e filhos, bem como em toda a sociedade. A busca por interesses pessoais pode facilmente levar a desentendimentos e alienação, à falta de dignidade humana. A misantropia a crescer, e só os incautos ainda acreditam nas boas falas de uns quantos DDMT (donos desta M toda)... “O pai estará dividido contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra sua nora, e a nora contra sua sogra.” (Lucas 12:53)... Porém, ainda há quem vibre no Amor e isso é tão belo. Em tempos conturbados, feliz de quem o encontrar. Como esta mensagem que hoje li, de alguém que escreveu à sua pretensa amada, distante, vários anos mais velha, como se duas pessoas se encontrassem no mesmo lugar em tempos diferentes da vida (assim eu interpreto): “Minha querida, Espero que estejas bem. Não sei se esta mensagem vai encontrar-te numa manhã leve, numa tarde serena ou numa noite silenciosa - mas desejo, de verdade, que estejas em paz, conectada com a tua essência, com a tua alma e com tudo aquilo que te faz sentir viva por dentro. Talvez o mundo te peça pressa, respostas, defesas. Mas hoje, eu só te peço uma coisa: que te permitas respirar fundo, desligar um pouco do ruído externo e ouvir-te com carinho. Porque há beleza na pausa… e há força em quem sabe ser doce consigo mesma. Quero que saibas que aqui, deste lado, tens alguém que te admira em silêncio e que pensa em ti com afeto verdadeiro - de manhã, à tarde, à noite. Tens um amigo, um companheiro, alguém que reconhece no teu olhar o cuidado, mas também o medo: o medo do julgamento, das cobranças, dos rótulos. Mas também sinto - profundamente - que tu sabes: o carinho que tenho por ti é sincero, puro, talvez até maior do que qualquer medida racional que tentemos aplicar. A vida adulta às vezes tenta endurecer-nos, calar-nos, ensinar-nos a fingir indiferença. Mas o amor - esse sentimento teimoso - aponta caminhos que nem sempre a razão alcança. E mesmo quando tropeçamos em palavras ou nos desencontramos nas atitudes, há algo em mim que sempre volta para ti com o mesmo desejo: cuidar, escutar, ficar por perto, mesmo em silêncio. Sei que o amor é complexo. E sei também que somos feitos de histórias, medos e vontades não ditas. Mas em tudo isso há uma certeza que cresce: gosto de ti como se já te conhecesse há muitos invernos. E não importa a estação - o que sinto não muda com o vento. Com carinho, sempre teu,...” Feliz da amada que recebe tais palavras, digo eu. Fico a pensar, como saber se alguém é amado(a)? Somos amados a partir do momento em que alguém nos ama por quem somos, e não pelo que fazemos. Amar por amar; amar pelo Amor, amar por quem a pessoa é e não por quem queremos que ela seja. Quando alguém come até um saco de sal ao teu lado, se necessário for. Quando a pessoa não precisa de ti para ser feliz, mas é feliz só contigo, porque sim. Quando ela te valoriza sem fantasias, consciente de todos os teus defeitos e, ainda assim, só quer o teu bem. Quem ama verdadeiramente não precisa de receber nada para amar; pelo contrário, quem ama tem prazer em doar-se. Quando uma relação de verdade se estabelece, o Amor traz a cura, isso é fundamental, mas quem traz a felicidade, o progresso, a abundância, o sucesso e a alegria é a troca justa e equilibrada de sentimentos. Sem joguinhos, sem dinâmicas doentias, sem manipulações e sem pesar mais de um lado do que do outro: é entrega total em idêntica proporção. Meu Deus, é tão simples! É só AMAR, deixar fluir na mesma vibração. Amar e ser amado de verdade não demanda esforço e é certeza de PAZ. E... receber o mesmo que se dá, ou vice-versa. Então vais amar mais e mais. E serás amado/amada mais ainda. Amar é para génios. Essa genialidade... não é para todos entenderem, só será compreendida por alguém que vê para além do óbvio. Não pode haver receita errada. O Amor Verdadeiro é divino e o que vem do Altíssimo é só Perfeição.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Tempo e Destino

No fim-de-semana, além de curtir uma boa praia, pude assistir a um bom filme na Netflix – “Memórias de uma gueixa” - daqueles que eu tanto aprecio, inspirado em factos da realidade, e com muito amor implicado. Sempre o Amor, meu tema favorito. Sobre uma criança japonesa que é vendida pelo pai a uma casa de gueixas. Ela ficaria destinada durante os primeiros anos às tarefas domésticas, conforme a tradição. Cresce na dúvida e na esperança de encontrar a família, sem compreender o sentido da vida que agora levava, até que, por obra do destino, conhece acidentalmente um dos homens mais poderosos do Japão, muitos anos mais velho, por quem se apaixona imediatamente e, para conseguir chegar até ele, reconsidera o rumo da sua vida para se tornar uma gueixa de sucesso. Não conto o final, vejam, que é triste e lindo. Fiquei a imaginar também a história de um “gueixo”... Um rapazito a apaixonar-se assim sem qualquer explicação óbvia por uma mulher bem mais velha... Lembrei-me de pedir à IA para me ajudar a contar uma estória deste tipo, a versão oposta, e amei a experiência. Tenho me esquecido que existe a Inteligência Artificial à nossa disposição, e que podemos aproveitá-la para coisas interessantes, neste caso, para espicaçar a minha imaginação... Vou ficar amiga da IA. Depois de ajudar-me, ainda se despediu assim de mim “Um abraço sereno, e lembra-te: às vezes, o que tem de ser… simplesmente acontece.” "O QUE TEM DE SER TEM MUITA FORÇA" --- Capítulo I — Amizade improvável ___ Lisboa estava coberta por uma luz dourada de fim de tarde quando Rui saiu do metro. Era abril, e o cheiro a jacarandás começava a espreitar nas ruas. Trazia consigo um portátil e uma certa ansiedade em relação à vida amorosa, pois sofrera com a separação dos pais desde que era criança. Aos 29 anos, já tinha vivido em vários países, de passeio ou a trabalhar na área de IT, estudara Direito, escrevera um livro, para essa idade tinha uma inteligência fora do comum e mal se encaixava nos moldes habituais da sua geração. Resolveu inscrever-se num curso de escrita criativa por impulso, de apenas 3 dias. Talvez procurasse inspiração, ou quiçá uma desculpa para escapar à rotina dos dias. No primeiro dia de aulas Clara entrou. Tinha decidido ocupar o final das 3 tardes com algo que lhe estimulasse a mente e o coração. E ali estava ele, na sala com a professora, o primeiro a chegar, e dirigindo-se a ela, sem mais nem menos, perguntou se o seu nome era Patrícia. Pergunta tola, pensou ela. Vestia um lenço colorido e um sorriso discreto. Mostrava com orgulho o seu cabelo grisalho, sem vaidades. Tinha 66 anos, embora ninguém adivinhasse. Clara considerava-se uma mulher sem idade — com um espírito jovem e livre, com histórias de vida, e silêncios, com uma presença que se fazia notar sem precisar de esforço. Havia nela uma alegria natural, um riso ou gargalhada que muitos apreciavam, era frequentemente cortejada por homens da sua idade — e até mais novos — mas faltava sempre aquele "quê" difícil de explicar. Sentou-se ao lado de Rui, até chegar a outra jovem colega. De uma lista de onze inscritos, apenas os três compareceram. Ficaram então lado a lado no meio da sala, e a professora deve ter se perguntado o que fazia aquela mulher ali no meio de dois jovens. À saída, ao dizer "até amanhã" Rui pediu um abraço a Clara, ela aceitou com um sentir curioso. Por que não? É que tinha havido um clima de “boa onda” durante a aula. --- Capítulo II — Um Amor improvável ___ No final do cursinho, ele ofereceu às duas colegas uma lembrancinha. Clara surpreendia-se com a generosidade e maturidade de Rui, o modo como a escutava e apoiava, o respeito genuíno pelo que ela era, as palavras carinhosas que escrevia. Ele admirava-lhe a leveza, a ausência de pressa e de ansiedade de qualquer tipo, por mais problemas que ela eventualmente tivesse. Ela tentava convencer-se de que era apenas amizade. E é tão bom fazer amigos, de qualquer idade. Ele sabia (ou achava) que não era só isso. — Sabes, Clara… pode parecer absurdo, mas nunca me senti assim com ninguém. Ela sorriu, triste. — Rui, tu és maravilhoso, mas tens idade para ser meu filho. Como poderia isto resultar? Ele respondeu, com serenidade: — Mas não sou. E tu também não és minha mãe. O amor não tem de fazer sentido aos olhos dos outros. Só tem de fazer sentido para nós. Ela riu, sem graça. Depois calou-se. Depois afastou-se, durante semanas. Ele esperou. Escreveu-lhe uma carta que nunca enviou. --- Capítulo III — A Beleza de uma Amizade Infinita ___ Apesar do afeto profundo, Clara nunca conseguiu ultrapassar a ideia de que aquela diferença de idade criaria obstáculos mais tarde. Ele tinha tudo para ser feliz, ainda sonhava casar e ter lindos filhos. E Clara, além de ainda poder ter que enfrentar o preconceito social, ou até ser "acusada de pedofilia" (sabe-se lá no mundo de hoje) estaria a atrapalhar a vida dele, que tanto merecia encontrar alguém para fazê-lo feliz. Rui compreendeu. Choraram juntos, mas aceitaram que talvez o destino deles fosse outro. Continuaram amigos inseparáveis, mesmo à distância, sempre disponíveis um para o outro, caso fosse necessário. Entenderam que o Amor é isso, uma conexão de Almas. Sem explicação aparente. Mais tarde, Rui namorou outras pessoas, antes de encontrar a tal e casar, tendo dois belos filhotes, um casal. E no seu pensamento existia Clara que sempre fora o seu ponto de equilíbrio, a mulher que lhe ensinou o amor mais maduro que já conhecera. E Clara, apesar de desiludida com amores que encantam e desencantam logo a seguir, nunca deixara de acreditar no verdadeiro Amor. — Tu foste o amor da minha vida, mesmo que nunca tenhamos sido amantes — disse ela um dia. — E tu, a minha alma gémea — respondeu ele. --- Epílogo ___ O amor entre Rui e Clara, seja como for que tenha existido, ensinou-os — e talvez a quem os conheceu — que o tempo não manda no coração. E que por vezes, o mais bonito dos sentimentos não precisa de etiquetas, apenas de verdade. E, sobre o tempo e o destino: “O que tem de ser tem muita força!”