Sente-se quase
uma espécie de vergonha com este tratamento, para pessoas como eu. Caramba, tirei um cursozito
com média alta, é verdade (salvou-me o gostar de idiomas), mas dava para passar
com um 10… o que poderíamos chamar então àquelas pessoas que queimam as
pestanas a estudar para ser doutores a sério (sem aspas), com médias
obrigatórias de 20, e que um dia tratarão da nossa saúde, ou que revelam
conhecimentos fora de série?...
Talvez porque
somos um país onde os diplomas universitários e os estudos em geral foram um
bem escassíssimo durante muito tempo e, de longe, temos os níveis de
escolaridade mais baixos da Europa. A partir de certa altura, os pais com
algumas posses têm feito tudo para que os seus filhos se formem, têm que
ser doutores, engenheiros ou arquitetos, custe o que custar (e para quê afinal,
depois perguntam eles; lá vão ter que emigrar se quiserem sobreviver, que tristeza)… Depois, para alguns será
o deslumbramento, um bocado a mostrar novo-riquismo; há quem queira mostrar o seu
novo estatuto de burguês com roupas de marca caríssimas, festas de casamento pomposas… carros XPTO a
brilhar, com bom som e bem alto, para repararmos neles…férias em lugares
exóticos, etc. E com esta mudança de estatuto social, o "doutor"
democratizou-se, banalizou-se. No Brasil (descendentes de portugueses, claro), por
exemplo, tudo o que é patrão leva doutor!
A verdade é que um bom
profissional, empenhado e dedicado, confiante no que sabe e no que deve fazer,
está-se borrifando para os títulos. Os outros, os chamados doutores da mula
ruça, sem nome, a quem temos que chamar “ó doutor”, “ó engenheiro”, é vê-los
engalanados, parece que adquirem uma aura de poder. Se em algum lugar for preciso resolver algo importante, bastará a
palavra mágica e a coisa resolve-se imediatamente. Se
for com um ‘badameco’ qualquer, ui podes crer que vai levar horas… É assim, neste
país onde impera a titulocracia (em detrimento da meritocracia) e o fator C (as
famosas cunhas), em que o aparato da forma de tratamento denuncia o nosso
sentido das aparências, deve haver uma relação mágica que se estabelece com a
pessoa, sei lá.
Os
estrangeiros têm imensa dificuldade em perceber, e até acham ridículas, as várias
fórmulas de ‘chamamento’ existentes na língua portuguesa. Você, tu, o senhor,
vossa excelência, senhor doutor, senhor professor, senhor engenheiro ou
arquiteto, excelentíssimo senhor, ‘sôtor’, senhora dona... Como explicar a um
não-português, por exemplo, o sentido de chamar "engenheiro" a alguém
que não pratica engenharia? Ao menos com eles, os gringos, o tratamento
preferencial é o nome próprio ou o "you", seja qual for o seu nível académico. A língua ajuda, esse
"you" serve para tudo, trato formal ou informal, com ou sem protocolo,
e não temos que sentir os desníveis da sociedade.
Tanto quanto
me é dado saber, para os americanos e os ingleses só muito poucas pessoas é que
têm direito ao uso dos títulos académicos de doutor ou professor. Em Inglaterra, só mesmo os professores catedráticos no
topo da carreira é que usam este último título, não basta ter uma
pós-graduação.
Lembro de uma
cena: uma secretária preparando uma convocatória de reunião; tinha de incluir uma
dúzia de pessoas, vários doutores e um ou outro engenheiro, e apenas um era sem
Dr. ou Engº, esse era apenas o Sr. Fulano de Tal (mas não menos importante)…
ali sozinho no meio da lista de engalanados, que situação, “não seria melhor retirar o título dos outros?”
pensava ela em voz alta, para a colega ajudar…
Outra: durante
a preparação de um evento alguém apresentou aos franceses a lista dos
participantes portugueses recheada de ilustres doutores, e um deles comentou
“tantos médicos!” e esse alguém teve que explicar-lhes que médicos ali não
havia nenhum…
Enfim… "Palavras para quê? Artistas portugueses e só usam Pasta Medicinal Couto!"
E eu, que nunca cuidei do meu
lado artista, mais do que aqueles anitos a estudar, tenho me licenciado, quase
com doutoramento pela Universidade da Vida, tal como tantos outros cidadãos,
que é a melhor e a mais completa de todas as universidades: sabemos que, se
errarmos, pagaremos a fatura dos nossos erros, quer queiramos, quer não.. Tanto
tenho aprendido, e não faço questão do diploma… Aliás, pelo outro obrigaram-me a pagar
mais de 100 euros, está empoeirado guardado sei lá onde! Orgulho-me sim pelo
facto de ter estudado e concluído um curso - já tarde, mas sempre a tempo - e com aquela média! Só não segui para mestrado porque… é o país
que temos… tudo para os “doutores”… Carpe diem!
Gostei muito da outra tua “postagem” sobre as almas gêmeas.
ResponderEliminarHei-de comentar... foi a melhor que li de ti! Adorei, por isso, penso digeri-la bem para bem a saborear.
Sobre esta!
Porque pensam esses “doutorecos” ou espécie acima dos mortais que podem pensar por mim, por ti, ou por todos nós?
Fingem-se de grandes patriotas, com cartões partidários, imaginam-se pensadores de política que são o desastre em tempo real, outros religiosos que pastoreiam o rebanho e atacam os filhos dos pastoreados...
Tanto título para tão poucos caixotes de lixo...
A todos esses, tenham a certeza que nunca deixarei que pensem ou decidam por mim... porque os creio como uns desacreditados de cidadania e no fundo desconhecem que mais do que o meu livre pensamento não existe título que o subjugue.
A minha última pergunta: quem são esses doutores de mula ruça?
Esqueci...
Mas não te esqueci... não te esqueço!
Tu, simplesmente Lina!
Bj