Todos os dias se apagam estrelas no nosso mundo para, eventualmente, irem
brilhar em outro, que desconhecemos… Nestes dias só se fala da (já esperada) morte de Mário
Soares, um senhor político famoso de provecta idade e que tem feito correr muita tinta com opiniões
contraditórias, tanto amado como odiado.
Nunca gostei de estudar história, tornei-me assim desconhecedora dos factos
históricos para poder entender e discutir algo a respeito, menos ainda gosto de
politicar, mas agora apetece-me divagar sobre o assunto.
Desde sempre ouvi dizer que este foi o senhor culpado por tanta gente - quase um milhão? - retornar à metrópole em 1975 com uma mão à frente e outra atrás. Eu e meus pais, retornados, mas meus 2 irmãos e irmã nasceram em Angola, por isso eram refugiados. Meu pai primeiro, e a seguir a mãe, não foram para lá com a ideia de enriquecer, nem coisa que se pareça, apenas foram em busca de condições melhores de vida à custa do seu trabalho, e que aqui não havia, neste cantinho atrasado. Os dois trabalharam arduamente no dia-a-dia para sustentarem 4 filhos e acabaram forçados a regressar ao seu país de origem, sem poderem trazer dinheiro suficiente para a sobrevivência da família. Minha mãe veio primeiro com os quatro filhos, a mais nova com 1 anito e eu a mais velha com quase 17. Sem casa, sem nada. Por pouco, meu pai era carne para canhão, ou para tubarão, pois estava com dificuldades para embarcar. Eram filas intermináveis de gente desesperada para fugir daquela terra 'sem dono', e mais tarde lá conseguiu, à última hora, por algum “milagre”. Aqui ficámos sujeitos à caridade alheia e às idas ao IARN para as refeições diárias. Eu muito chorei, foi um choque vir para um país tão diferente, e que no entanto era o meu!
Desde sempre ouvi dizer que este foi o senhor culpado por tanta gente - quase um milhão? - retornar à metrópole em 1975 com uma mão à frente e outra atrás. Eu e meus pais, retornados, mas meus 2 irmãos e irmã nasceram em Angola, por isso eram refugiados. Meu pai primeiro, e a seguir a mãe, não foram para lá com a ideia de enriquecer, nem coisa que se pareça, apenas foram em busca de condições melhores de vida à custa do seu trabalho, e que aqui não havia, neste cantinho atrasado. Os dois trabalharam arduamente no dia-a-dia para sustentarem 4 filhos e acabaram forçados a regressar ao seu país de origem, sem poderem trazer dinheiro suficiente para a sobrevivência da família. Minha mãe veio primeiro com os quatro filhos, a mais nova com 1 anito e eu a mais velha com quase 17. Sem casa, sem nada. Por pouco, meu pai era carne para canhão, ou para tubarão, pois estava com dificuldades para embarcar. Eram filas intermináveis de gente desesperada para fugir daquela terra 'sem dono', e mais tarde lá conseguiu, à última hora, por algum “milagre”. Aqui ficámos sujeitos à caridade alheia e às idas ao IARN para as refeições diárias. Eu muito chorei, foi um choque vir para um país tão diferente, e que no entanto era o meu!
Varreu-se-me muita coisa da memória, inexplicavelmente, penso
agora que já nem me recordo da forma como voltámos, se de barco ou avião. Tenho
que perguntar à minha mãe, ela que sabe e conta tudo, sempre com os mesmos
pontos e vírgulas. Até como chegou a rastejar pelas escadas acima com a bebé nos braços, no meio de tiroteio, para entrar em casa. E há também factos "soltos" dos quais me lembro, por exemplo, de um primo em Lisboa que eu tinha acabado de conhecer e que foi um dos que morreram durante o golpe de 25 de novembro de 1975, era o tenente José Coimbra dos Comandos.
Em Portugal, até aos anos 70, vivia-se com muita pobreza, sobretudo nas
aldeias, mas também tínhamos família a viver pobremente na cidade. Velhos,
crianças e mulheres descalços, sujos, desgrenhados. Sem casas de banho nas
casas, sem água canalizada, tomava-se banho de celha quando era possível; a
sanita era um buraco improvisado em algum canto do quintal; sem luz elétrica; as pessoas nem
conheciam o mar; a maior parte delas não sabia ler nem escrever; não
havia jornais nem livros; sem centro de saúde, nem estradas, nem automóveis… Os
homens (jovens) ou tinham partido para a guerra, e com sorte voltariam vivos um dia, ou
tinham ido para França ou Alemanha.
Segundo as notícias, parece que foi pouca gente ao
funeral deste senhor que mereceu honras de estado, três dias de luto nacional,
cerimónias dignas de alguém muito importante para o país. Havia menos gente do
que eventualmente houve em funerais de outros políticos, ou de gente famosa em
outras áreas… Era dia de trabalho, há quem argumente, mas quando os campeões
europeus chegaram a Portugal a 11 de Julho 2016 também era dia de trabalho, e
nem por isso o país deixou de sair à rua, virou até feriado de repente. Não
era, mas parecia. Com Soares não se passou nada disso, daí podermos concluir que
só o futebol, o ópio do povo, é que faz mover multidões...
Agora que tenho uma cabecinha pensadora e mesmo sendo
leiga em políticas e história, devo ser honesta e pensar que ninguém é obrigado
a gostar de Mário Soares, mas é importante reconhecer que podemos escrever o
que quisermos acerca dele, e de outros, sem medo de uma PIDE ou de uma KGB a
bater-nos à porta, graças à luta a que este senhor persona non grata dedicou a sua vida enquanto outros eventualmente ficaram no bem bom (e ainda reclamam...).
Há quem se dê ao trabalho de publicar agora uma grande manchete - de algum periódico sensacionalista da época? - a citar o que este senhor respondeu sobre o que
fazer com os brancos “atirem-nos aos tubarões!”… Verdade? Mentira? Estou
sabendo agora, na altura nem me apercebi disso, nem lia, nem me interessava por nada, nem ninguém falava comigo destas coisas…
Como diria o Diácono Remédios (Herman
José) “as opiniões são como as
vaginas, cada uma tem a sua e quem quiser dá-la, dá-la!” A verdade é que só sente na pele quem passa por elas, e
claro, quem não passou por nada daquilo, pode falar por alto o que bem lhe
apetecer.
Porém, pensando um bocadinho, pelos vários comentários que vou lendo na
diagonal, parece que esse senhor teve que fazer em poucas semanas o que era
para ter sido feito em cinco décadas e, evidentemente, isto causou muito
sofrimento a muita gente. Obviamente o Dr. Soares cometeu erros, há quem diga que pisou na bandeira
portuguesa, que era prepotente, que usou e abusou de recursos públicos para seu
proveito pessoal, etc…e qual é o político que não o faz, ou que coloca o Povo
em primeiro lugar? Pergunto eu, na minha ignorância. Provavelmente ainda está
para nascer…
Talvez muitos o odeiem porque uma boa maioria do povo português assistiu no
pós 25 de abril ao enriquecimento descarado de uma certa classe política
defensora da liberdade, da igualdade e da democracia à custa dos dinheiros
públicos e da própria pseudo democracia da qual foram os progenitores.
Provavelmente, dever-se-ia guardar esse ódio para quem mandou as pessoas para
África naquele tempo de miséria, não para quem de lá as tirou. Quem emigra (ainda hoje) para outros países não tem o ódio de Portugal que alguns, poucos ou
mesmo muitos, retornados (e não só) ainda sentem. Notou-se agora pelos
comentários que lemos, ouvimos, ou abundam nas redes sociais.Todos os seus defeitos e
os erros, o tempo e a história se encarregarão de julgar. Vejamos o lado bom
das coisas, da história, neste caso. A defesa da liberdade, liberdade que nos
permite falar e escrever tudo o que nos vem à cabeça, com ou sem razão, isso o Povo
não esquecerá.
Portugal mudou TANTO nestes 40 anos. Dou comigo a imaginar, se nada daquilo
tivesse acontecido, como seria se ainda estivéssemos em Angola… estaria melhor
do que estou hoje? Apesar de todo e qualquer erro, apesar da descolonização mal
feita, apesar dos pesares,
VIVA A REVOLUÇÃO, O 25 DE ABRIL, SEMPRE!
VIVA A REVOLUÇÃO, O 25 DE ABRIL, SEMPRE!
Passei pelo sofrimento de largar "o meu" lugar paradisíaco, o único que conhecia; os meus pais muito mais sofreram, terem que voltar sem nada depois de todo o trabalho em vão... mas toda a vida foi sempre assim, feita de História(s), e eu bem digo: até para nascer, no país certo, na família certa, é preciso ter sorte! Sempre houve gente corrompida pelo poder e que se dá bem, os que sofrem sem querer, o pobre e o rico, o bem e o mal, o branco e o preto, o doce e o amargo... E amanhe-se quem puder... a vida continua.
Muita gente aproveitou-se de subsídios e tudo o que fosse possível à custa do IARN, estão hoje na maior, outros não souberam mexer-se e continuaram pobrezinhos, recomeçando do zero... entendo que há muita coisa que depende de nós; uns contentam-se com um prato de sopa e um copito de tintol (assistindo ao futebol), outros batalham forte e feio para comerem lagosta regada a Moët & Chandon, e caviar... aliás, alguns nem precisam, é-lhes tudo concedido de bandeja... É o mundo que temos!
Retornados/refugiados: uma ferida que não sara, mas conseguimos viver com ela!
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