quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Agora sobre o desamor

Já passaram os dias alusivos ao amor (ou aos namorados), podemos começar então a falar do desamor que, esse sim, mata! (não é o amor que mata). Analisando bem as coisas, as pessoas não sofrem por amor, sofrem por falta dele. E quem sente essa falta desde a nascença ou a infância, o caso torna-se ainda mais grave.
“A falta de amor é a pior de todas as pobrezas” (Madre Teresa de Calcutá)
Conheço uma Pessoa que várias vezes lamenta o facto de ter nascido, e é muito triste ter que ouvi-la a repetir a sua história. Nitidamente é de uma carência que fica difícil de colmatar. Quando despoletava a segunda guerra mundial, nasceu do segundo casamento da mãe viúva já com netos, tornando-se o patinho feio maltratado por todos, pelos "filhos da mãe", como ela diz. Sem esquecer que, devido a uma doença contraída pouco depois de ter nascido, quase foi enterrada, mas conseguiu ser salva quando o pai decidiu apalpar-lhe o pulso e reparou que ainda estava viva. 
Péssimas recordações da extrema pobreza em tempo de guerra e de ter vivido ao deus-dará, pois os pais iam diariamente à sua vida para ganhar uns tostões, e ela ficava pela rua à mercê de tudo e todos. "Felizmente não dei em prostituta", comenta ela". Sem saber como, ainda conseguiu estudar até à quarta classe, mas foi retirada da escola logo a seguir, para servir de criada na casa dos filhos da mãe.
Agora, já quase nos seus oitenta anos, exausta com a vida que lhe calhou, às vezes pergunta “por que tinha eu de viver, por que não me deixaram ir?” (…)
Ainda pequenita, se chorava a lamentar-se, punham-na em casa de uma tia onde o tio a assediava. Era obrigada a esconder-se no sótão quando a tia saía para ir às compras, e como entretanto não fazia o serviço de casa, era ainda insultada e maltratada quando aquela chegasse e visse as coisas por fazer.  Viveu esse tormento calada, pois se abrisse a boca para queixar-se de algo, ainda levava porrada na certa…(e fala-se tanto de pedofilia agora, quando sempre houve, uma tristeza!)…
E assim, aos pontapés daqui e dali, essa criança foi crescendo, sem saber o que era ambiente familiar nem afetos...Aos 17 anos, idade de conhecer ou encontrar o Amor (para a maioria dos adolescentes), apareceu-lhe o homem que viria a ser aquele com quem poderia construir o lar que nunca tinha tido, era mais velho do que ela uns oito anos. Casaram-se, e logo na noite de núpcias houve problemas que a marcaram para toda a vida. Ao fim de nove meses nascia o filho mais velho de quatro, ou cinco (um morrera à nascença) …
Levou uma vida dura de trabalho e consumição para criar quatro filhos com a ajuda do parco salário do marido, nunca teve tempo (nem vontade) de olhar para ela própria e cuidar de si. O sexo era por obrigação, uma coisa suja, num casamento “acomodado” que durou quatro décadas… naquele tempo era assim…

Um dia ficou viúva, ainda “nova”, antes dos 60 anos de idade, e jurou que não “aturava” mais homem nenhum! Estava no seu direito.
Porém, começou a queixar-se de solidão. Quando afinal sempre tinha sido tão sozinha, pelo que conta, só que agora tinha tempo para reparar no mundo à sua volta, com os filhos criados e cada um na sua vida. Não tinha feito amizades, e agora dificilmente se adapta a alguém, pois os outros sempre têm defeitos (incompatíveis com os dela, provavelmente), ou seja, dá-se a toda a gente (segundo ela), acaba desiludida ou insatisfeita, e não se dá com ninguém… Todas as máscaras (de bravura, força etc.) caíram de repente, caiu também em si, e a seguir vieram os ataques de pânico, a ansiedade, entre outras maleitas, uma coisa aflitiva que preocupa os filhos. Estes não podem estar junto dela o tempo todo, cada um vai sempre que pode para fazer um pouco de companhia ou levar a dar um passeio. 
Entretanto, a solidão e as lembranças que não a largam (sempre as más, infelizmente) vão fazendo dela uma senhora amarga, sem sentido de humor, sem alegria, sem gosto pela vida nem por nada. Os filhos até são amigos dela mas, se estão longe, não lhe servem de nada, na sua ideia, são como estranhos quando fala deles para qualquer pessoa. É a sensação que fica quando a ouvimos falar. Devia estar feliz por eles, se têm saúde, boa aparência, e todos formados.
E os dias, anos... vão passando, naquela ânsia de um dia ainda ganhar algum dinheiro através dos concursos de televisão, raspadinhas ou euromilhões, e então irá fazer 'tanta coisa'... inclusivé, ajudar os filhos, coitadinhos (...)
Uma senhora (ainda) bonita, com muitas qualidades, que podia estar agora "liberta" e tentar ser feliz, fazer voluntariado, cuidar dela própria… nada a satisfaz, há sempre desculpas, ou inicia algo e logo desiste… A única alegria (aparentemente) é reunir os filhos de vez em quando à volta da mesa para comer ou celebrar algum aniversário, com noras e netos (apenas dois)… para ela isso é dar afetos, e ai de quem a contrarie! Mal se senta à mesa para poder estar a servir os “convidados”,  nem que algum deles parta logo a seguir ao repasto. E no final, quando já todos partiram, com a cozinha toda desarrumada, senta-se no sofá, estafada, à espera da vontade para limpar tudo. E assim se sente “feliz” por ter recebido os filhos em casa, nem que fosse por uns minutos, ou uma horita, dando-lhes de comer.
Uma família na qual mal se nota a afetividade. Entre irmãos não se nota nenhuma cumplicidade nem interesse de uns pelos outros. 
Serão filhos do desamor, alguém já pensou nisso? Depois de o marido falecer é que começou a contar aos filhos toda a triste história da sua vida conjugal, com pormenores que na verdade já não interessam nada, e que até deviam ser esquecidos, pois não contribuem para a felicidade de ninguém, nem dela.

Esta é uma história triste que conheço, entre tantas outras que há por esse mundo, claro. 
Assim como conheci alguém que em criança já tinha o sonho de ser artista; um dia fez algo errado e o pai quis castigar o menino, colocando as suas mãos sobre um cepo e ameaçando decepá-las caso fizesse mais asneiras. Nesse instante viu-se maneta para o resto da vida, e o seu sonho de artista já era, pobre criança. Em adulto falava disso algumas vezes, foi um trauma que ficou e fez dele um ser inconformado e artista frustrado, infelizmente. 
Crianças amadas tornam-se adultos que sabem amar. 
O amor desta senhora pelos seus filhos é estranho, lembra-me aquele tema "dividir para reinar", pois até parece que não se importa muito se os irmãos se dão ou não uns com os outros, o que interessa é que todos "olhem por ela", e eles tentam... 
Se os pais soubessem o mal que fazem aos filhos com certas coisas que (não) dizem ou fazem…podia-se evitar a existência de tanta gente destrambelhada neste mundo. Porém, ninguém nasce ensinado, cada um dá ou transmite o que pode e o que sabe. 
Até pra ser flor é preciso ter sorte: algumas nascem pra enfeitar a vida; outras, a morte! 

Dá pena ver tanta gente com uma vida triste e amargurada, sem gosto por nada, e como é possível acudir?

Não há dúvida de que o Amor representa o centro da nossa existência e dele depende a nossa sanidade mental. Pais felizes fazem filhos mais felizes, e vice-versa, o que promove uma família unida, trazendo saúde e harmonia para todos, inclusive para o ambiente social em que se vive. Às vezes o ser humano age de modo inconsciente, impulsionado por carências que mal compreende, e assim deambula pelo mundo na tentativa de preencher um vazio interior que não entende e, inevitavelmente, cai numa série de complicações. 
Para evitar isso, seria melhor parar e pensar (ou ouvir os outros), assumir a carência e ir à farmácia comprar uns potes de vitamina, ou seja: aprender a cuidar de si próprio(a), em vez de culpar o mundo (ou os outros) por tudo o que de mal acontece.

No fim das contas, se formos verdadeiros, acabaremos rodeados por quem bastará à nossa felicidade e nossa urgência em ser feliz, pois o AMOR reinará.

1 comentário:

  1. Simplesmente, adorei! Muito bem escrito e muito bom no desenvolver de sentimentos que até nos coloca dentro das histórias. Por tudo, gostei muito e continua...
    Boa noite e Bjs

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