Corria o ano de 2011. Depois
de algum tempo no desemprego e em trabalhos precários, agora ela estava a
trabalhar numa empresa, da qual saía todos os dias exausta, para ganhar um
salário mensal abaixo do mínimo… um dia resolveu ir a um almoço de confraternização
onde se reuniriam muitos “retornados” de Angola, ela divertiu-se, reconheceu
algumas (poucas) caras, e ficou a conhecer outras novas…inclusive, um cara apareceu de repente a falar com ela dizendo que a conhecia desde bem jovem, que
até se lembrava de tê-la convidado para ir a uma festa, convite que ela recusou
porque na juventude tinha sido reprimida, mal conseguindo fazer amizades, ou
pouco saindo para divertir-se…Ela estranhou essa conversa, mas o que queria era
divertir-se agora (que já não era controlada), e queria lá saber se essa
história era verdade ou não. Aliás, lembrava-se de pouca coisa da sua
adolescência em Angola.
O grande almoço correu bem, fez
algumas amizades que continuaram virtuais, e com esse cara ela nem trocou contactos, apenas ficaram a saber o nome um do
outro. Um dia, já em casa, no final do dia, ela estava com o skype ligado, e apareceu um tal
“Rodolfo” a pedir amizade… ela olhou para a foto (avatar) e reconheceu-o. Era “o
cara”! Um portuga a morar no Rio de
Janeiro e já tinha voltado para a cidade maravilhosa. Estava ali a repetir o
convite de muitos anos atrás (segundo ele); agora ela tinha a oportunidade de escolher
qualquer lugar do mundo para jantar com ele. Riu-se, “olha-me este agora!” Ela
a precisar de trabalhar e aquele pseudo bon
vivant queria conversa e passeios… Ela respondeu rindo “talvez nas Caraíbas,
vou pensar”… e no outro dia respondeu-lhe, se queria jantar com ela, viesse ele
ao seu encontro, pois não tinha como pedir na empresa tantos dias para viajar…
e o cara disse “pô, acabei de sair de Portugal!”, mas viria de novo… e não é que veio
mesmo? Ela pensou “uau, um homem que atravessa o oceano por uma mulher, deve
ser um amor lindo!”. Ela ainda acreditava nesse tipo de amor.
Ele veio, conviveram algum
tempo, divertiram-se e passearam pelo verão português, ela conheceu amigos
dele; o cara chegou ao ponto de até falar em casar, morar numa cidade bonita e pacata
do sul, escrever livros…abrir dois barzinhos nesse lugar (logo 2!) etc. –
montes de planos – e ela ia acreditando, no
início…
Ele queria também que ela
conhecesse o lugar onde morava no Rio (por coincidência, se é que isso existe, e
ainda bem, era praticamente vizinho de uma grande amiga dela, carioca)… Então, um dia
ela decide aceitar os convites, desiste do trabalho que não a
realizava, e vai ao encontro dele no Rio de Janeiro… bem, no início, tudo parecia correr “normalmente” - Quais os limites da nossa sanidade? O
que nos define como “normais”?
- mas
rapidamente começou a notar um comportamento estranhíssimo, sempre o mesmo papo
furado, e não se via atitudes nenhumas! Notou que fumava uns charros e então devia
“viajar na maionese”, passava o dia a passear, indo à praia, visitando a mãe de
2 em 2 dias (dizia ele) que estava internada numa clínica, e ela não entendia
nada daquela vida esquisita… Ao fim de pouco tempo, começou a achar que estava
perante um mentiroso compulsivo, ou megalómano, mais um doente mental, daqueles
com quem nem vale a pena discutir, seria inglório… fazia montes de planos,
achava-se um playboyzinho, um bon vivant, e coitado, começava a ser
digno de pena!...
Ela tinha viagem de volta marcada dali a 3 ou 4 meses, mas decidiu ir embora mais cedo. Não estava para
aturar mais malucos, e nem lamentava o trabalho que deixou pois também não era
aquilo que ela ambicionava: tanto trabalho para pouco dinheiro! E a vida
continuaria, havia de encontrar outra coisa para fazer. E encontrou, outras
oportunidades apareceram, podendo refazer a sua vida, voltando a sentir-se
feliz sozinha.
Ele costumava dizer que um
dia ainda ia escrever sobre a história “de amor” que viveram…! Continuava a
querer falar com ela, tentava por email e outros meios, lá se lembrava dela de
vez em quando… (como se nada tivesse acontecido)… porém, ela desligou-se por
completo, “vade retro…”! Mais tarde, ainda chegou a perguntar aos amigos, que tipo de bicho era aquele, um deles respondeu "mas não sabias que o cara era assim? ele serve para ir tomar uns copos, divertirmos e rirmos com as suas histórias/invenções!..." OK ficou finalmente a saber...
Depois de alguns anos ela
voltou a receber um email em que o cara anunciava que tinha publicado na internet
um e-book e queria saber a sua opinião (!?), um romance inédito, digital, erótico-musical !!! à venda por
cinco euros!!! “A história de um casal
que se reencontra 30 anos depois de ter vivido uma ingénua paixão na
adolescência. Ele, um playboy ligado às finanças, ela, uma linda mulher, com um
emprego de sobrevivência, iniciam uma relação no Skype, onde jogos eróticos
servem a uma paixão sem limites. (…) Entre o clique no computador e o toque dos
corpos, os dois personagens vivem um louco amor, cheio de alegria,
sensualidade, sexualidade e luxúria, embalado por música que se entranha na
própria história.” (…)
Ela ficou curiosa,
será que o cara até atinou e fez
alguma coisa? Procura, pesquisa o site
do e-book e verifica (na diagonal e com
alguma perplexidade) que de erotismo não tinha nada, era literatura de baixo
nível, quinta categoria, a verdadeira pornochachada… Desde quando aquilo era
baseado numa história que até poderia ter dado certo, se não houvesse demência por
parte de um dos intervenientes…? O gajo devia estar a querer imitar as
aventuras da Bruna surfistinha, “As 50 sombras de Grey” ou algo assim? Que mau
gosto, que loucura!!!
A
única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais
comum. (Millôr Fernandes)
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