segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Título da loucura: A Menina...do Computador


Corria o ano de 2011. Depois de algum tempo no desemprego e em trabalhos precários, agora ela estava a trabalhar numa empresa, da qual saía todos os dias exausta, para ganhar um salário mensal abaixo do mínimo… um dia resolveu ir a um almoço de confraternização onde se reuniriam muitos “retornados” de Angola, ela divertiu-se, reconheceu algumas (poucas) caras, e ficou a conhecer outras novas…inclusive, um cara apareceu de repente a falar com ela dizendo que a conhecia desde bem jovem, que até se lembrava de tê-la convidado para ir a uma festa, convite que ela recusou porque na juventude tinha sido reprimida, mal conseguindo fazer amizades, ou pouco saindo para divertir-se…Ela estranhou essa conversa, mas o que queria era divertir-se agora (que já não era controlada), e queria lá saber se essa história era verdade ou não. Aliás, lembrava-se de pouca coisa da sua adolescência em Angola.
O grande almoço correu bem, fez algumas amizades que continuaram virtuais, e com esse cara ela nem trocou contactos, apenas ficaram a saber o nome um do outro. Um dia, já em casa, no final do dia, ela estava com o skype ligado, e apareceu um tal “Rodolfo” a pedir amizade… ela olhou para a foto (avatar) e reconheceu-o. Era “o cara”! Um portuga a morar no Rio de Janeiro e já tinha voltado para a cidade maravilhosa. Estava ali a repetir o convite de muitos anos atrás (segundo ele); agora ela tinha a oportunidade de escolher qualquer lugar do mundo para jantar com ele. Riu-se, “olha-me este agora!” Ela a precisar de trabalhar e aquele pseudo bon vivant queria conversa e passeios… Ela respondeu rindo “talvez nas Caraíbas, vou pensar”… e no outro dia respondeu-lhe, se queria jantar com ela, viesse ele ao seu encontro, pois não tinha como pedir na empresa tantos dias para viajar… e o cara disse “pô, acabei de sair de Portugal!”, mas viria de novo… e não é que veio mesmo? Ela pensou “uau, um homem que atravessa o oceano por uma mulher, deve ser um amor lindo!”. Ela ainda acreditava nesse tipo de amor.
Ele veio, conviveram algum tempo, divertiram-se e passearam pelo verão português, ela conheceu amigos dele; o cara chegou ao ponto de até falar em casar, morar numa cidade bonita e pacata do sul, escrever livros…abrir dois barzinhos nesse lugar (logo 2!) etc. – montes de planos – e ela ia acreditando, no início
Ele queria também que ela conhecesse o lugar onde morava no Rio (por coincidência, se é que isso existe, e ainda bem, era praticamente vizinho de uma grande amiga dela, carioca)… Então, um dia ela decide aceitar os convites, desiste do trabalho que não a realizava, e vai ao encontro dele no Rio de Janeiro… bem, no início, tudo parecia correr “normalmente” - Quais os limites da nossa sanidade? O que nos define como “normais”? - mas rapidamente começou a notar um comportamento estranhíssimo, sempre o mesmo papo furado, e não se via atitudes nenhumas! Notou que fumava uns charros e então devia “viajar na maionese”, passava o dia a passear, indo à praia, visitando a mãe de 2 em 2 dias (dizia ele) que estava internada numa clínica, e ela não entendia nada daquela vida esquisita… Ao fim de pouco tempo, começou a achar que estava perante um mentiroso compulsivo, ou megalómano, mais um doente mental, daqueles com quem nem vale a pena discutir, seria inglório… fazia montes de planos, achava-se um playboyzinho, um bon vivant, e coitado, começava a ser digno de pena!...
Ela tinha viagem de volta marcada dali a 3 ou 4 meses, mas decidiu ir embora mais cedo. Não estava para aturar mais malucos, e nem lamentava o trabalho que deixou pois também não era aquilo que ela ambicionava: tanto trabalho para pouco dinheiro! E a vida continuaria, havia de encontrar outra coisa para fazer. E encontrou, outras oportunidades apareceram, podendo refazer a sua vida, voltando a sentir-se feliz sozinha.
Ele costumava dizer que um dia ainda ia escrever sobre a história “de amor” que viveram…! Continuava a querer falar com ela, tentava por email e outros meios, lá se lembrava dela de vez em quando… (como se nada tivesse acontecido)… porém, ela desligou-se por completo, “vade retro…”! Mais tarde, ainda chegou a perguntar aos amigos, que tipo de bicho era aquele, um deles respondeu "mas não sabias que o cara era assim? ele serve para ir tomar uns copos, divertirmos e rirmos com as suas histórias/invenções!..." OK ficou finalmente a saber...
Depois de alguns anos ela voltou a receber um email em que o cara anunciava que tinha publicado na internet um e-book e queria saber a sua opinião (!?), um romance inédito, digital, erótico-musical !!! à venda por cinco euros!!! “A história de um casal que se reencontra 30 anos depois de ter vivido uma ingénua paixão na adolescência. Ele, um playboy ligado às finanças, ela, uma linda mulher, com um emprego de sobrevivência, iniciam uma relação no Skype, onde jogos eróticos servem a uma paixão sem limites. (…) Entre o clique no computador e o toque dos corpos, os dois personagens vivem um louco amor, cheio de alegria, sensualidade, sexualidade e luxúria, embalado por música que se entranha na própria história. (…)
Ela ficou curiosa, será que o cara até atinou e fez alguma coisa? Procura, pesquisa o site do e-book e verifica (na diagonal e com alguma perplexidade) que de erotismo não tinha nada, era literatura de baixo nível, quinta categoria, a verdadeira pornochachada… Desde quando aquilo era baseado numa história que até poderia ter dado certo, se não houvesse demência por parte de um dos intervenientes…? O gajo devia estar a querer imitar as aventuras da Bruna surfistinha, “As 50 sombras de Grey” ou algo assim? Que mau gosto, que loucura!!!

A única diferença entre a loucura e a saúde mental é que a primeira é muito mais comum. (Millôr Fernandes)

Sem comentários:

Enviar um comentário