Ficou o silêncio no apartamento e no prédio. A dona dele
apareceu. Fez-lhes companhia durante quase 1 mês. Palrava e ladrava o tempo todo,
grasnava como as gaivotas, imitava as gargalhadas, e era um barulhão, dava beijinhos gostosos depois de
dizer “cucu”, cantava “who let the dogs out” além de dizer “olá man” ou apenas “olá”
quando elas chegavam a casa… era da espécie “amazonia aestiva” (o papagaio verdadeiro)
e tornou-se a companhia delas todos os dias desde as 8h da manhã, ou quando o “cocó”
(dizia ele, seria de Jacó?) visse a luz do dia nascer.
Eram duas amigas de aproximadamente 15 anos, conheceram-se um
dia de forma insólita, numas férias de verão no Algarve, conviveram algum
tempo, depois houve um longo afastamento (seguindo ambas vidas diferentes, com os
respetivos companheiros) e, novamente de forma inédita, a que ficou viúva
procurou a outra que até já tinha mudado de número de telemóvel, mas conseguiu encontrá-la!
São estes os mistérios da amizade, a gente encontra algumas pessoas por acaso, umas ficam por alguns momentos, outras ficam para toda a vida.
Lá estavam elas de novo no Algarve, desta vez decidiram partilhar um
apartamento durante um período de 3 meses. A que ficou viúva já não precisa de
trabalhar mais, é só curtir agora (se quiser), mas a outra ainda procura um
trabalho, preocupada com o futuro.
Certa manhã, ao acordar, uma delas vai à varanda do 6º andar,
olha para baixo e vê um papagaio na varanda do 4º andar… acha-o lindo e chama
por ele, sem imaginar que ele ia subir mesmo; calculou a distância entre as
varandas de um lado e doutro do edifício, e ei-lo no parapeito da varanda
pronto para tomar café e pão torrado junto com elas. Entrou para dentro do quarto e ficou empoleirado no cimo da porta, nem tentou fugir mais. Para quê? Tinha encontrado
um lar, com duas boas amigas, e sentiu-se bem acompanhado.
Foi preciso comprar comida própria para ele, era um comilão e petiscava
praticamente tudo, desde legumes a fruta ou frutos secos. Em cima do frigorífico,
quando uma ou outra estava a cozinhar, o “cocó” queria sempre vir quase para cima do ombro para
provar a comida, se a corrente fosse mais comprida e o permitisse.
Foram contactadas as entidades responsáveis - o ICNF, CITES,
GNR/SEPNA - para poder encontrar o seu possível dono, tinha anilha mas não
tinha chip. Parecia um mistério, um papagaio aparecer assim numa varanda de
apartotel em frente ao mar... seria alguma alma penada? Chegaram a pensar… Havia
muita vontade de ficar com aquele bichinho simpático, mas uma delas decidiu que
tinha que ficar tudo legalizado, e ficaria em nome dela, se fosse o caso.
Entretanto a PSP envia um email a pedir para entregar o
papagaio, tinha aparecido a dona; e lá veio ela buscá-lo no dia seguinte, até chorou
emocionada ao revê-lo. Na hora de entrar para a gaiola a ave ainda ficou com a pata
agarrada à “dona” amiga que o alimentou e acarinhou durante quase 30 dias,
via-se que ia sentir saudade.
Afinal já andava perdido há 2 anos e a verdadeira dona pensava
nunca mais voltar a vê-lo: outro facto incrível, como é possível, onde terá
andado todo esse tempo, em casa de outra família e entretanto fugiu, ou
abandonaram-no? (no dia em que chegou, tinha aspeto de bem tratado e notava-se que
era amestrado).
E ficou o mistério… a dúvida: terá a linda ave exótica vindo passar
um mês de férias à beira-mar e conviver com 2 amigas com tempo para apajeá-lo? Podia ser…
Ficou a saudade, da companhia e do barulho que tanto fazia, sem se
preocuparem com o que pensariam os poucos turistas que estavam no prédio praticamente
desabitado, pois o tempo bom tarda a chegar. Até na Páscoa choveu, quando aquele
lugar costumava ser o destino de muita gente em férias à procura de sol.
Deixei-me levar na rica descrição da tua escrita e nas emoções com sabor agridoçe e sobe muito bem! Abraço.
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