quarta-feira, 6 de março de 2019

Quarta-feira de cinzas


Acabou a folia… volta a paz, a reflexão sobre o dever da ‘conversão’, da mudança de vida, recordando-nos a transitória e frágil vida humana, esse é o símbolo das cinzas que os Cristãos Católicos recebem neste dia…

Anda-se confuso. Há quem acredite em tudo e em nada. Eu, sem ser praticante, acredito sim! Com a idade a passar acredito que viemos cá por algum motivo, para evoluir espiritualmente, de preferência. Que nada é melhor do que dormir de consciência tranquila, e que não se deve fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem. Que a morte não precisa ser o fim, mas apenas o recomeço, a passagem para outra dimensão. Esse é o tal mistério da vida que todos queríamos entender. 

Uma vida sem acreditar em nada e apenas virada para coisas materiais e transitórias deve ser enfadonha, deprimente. Quando abrimos os olhos para as pequenas delicadezas que nos são concedidas todos os dias...a vida fica tão leve... Às vezes sentimos os pés a sair do chão...Isso é flutuar...isso é PAZ...e por isso...haja GRATIDÃO!...Quase aquela sensação de nos deitarmos na relva… esquecer o tempo… olhar para o céu...desenhar as nuvens, sentir o cheiro da SERENIDADE...escutando as batidas do nosso coração...
E quando a noite cai...as estrelas guiam-nos.... isso é uma lição...aprendemos que nem todas as coisas precisam de razão.

"A meditação consiste simplesmente em seres tu e saberes o que isso significa. É dar-se conta que estás no caminho. Quer gostes ou não, é o caminho da tua vida".
Jon Kabat-Zinn
E ainda temos o MAR, ai o MAR:

MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.

A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.


Sophia de Mello Breyner Andresen in 'O Dia do Mar'


E o AMOR (ai esse difícil de achar, e que todos procuram):

PROCURO-TE

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

Porém eu procuro-te.
antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre – procuro-te.

Eugénio de Andrade
In As Palavras Interditas
 Não é bela a VIDA? É SIM!
https://www.youtube.com/watch?v=bxJ7JCppdvM

1 comentário:

  1. SONETO CV

    Não chame o meu amor de idolatria
    Nem de ídolo realce a quem eu amo,
    Pois todo o meu cantar a um só se alia,
    E de uma só maneira eu o proclamo.

    É hoje e sempre o meu amor galante,
    Inalterável, em grande excelência;
    Por isso a minha rima é tão constante
    A uma só coisa e exclui a diferença.

    'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo;
    'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;
    E em tal mudança está tudo o que primo,

    Em um, três temas, de amplo movimento.
    'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;
    Num mesmo ser vivem juntos agora.

    William Shakespeare

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