Acabou a folia… volta a paz, a reflexão sobre o dever da ‘conversão’, da mudança de vida, recordando-nos a transitória e frágil vida humana, esse é o símbolo das cinzas que os Cristãos Católicos recebem neste dia…
Anda-se confuso. Há quem acredite em tudo e em nada. Eu, sem ser
praticante, acredito sim! Com a idade a passar acredito que viemos cá por algum
motivo, para evoluir espiritualmente, de preferência. Que nada é melhor do que dormir de consciência tranquila, e que não se
deve fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem. Que a morte não precisa
ser o fim, mas apenas o recomeço, a passagem para outra dimensão. Esse é o tal
mistério da vida que todos queríamos entender.
Uma vida sem acreditar em nada e apenas
virada para coisas materiais e transitórias deve ser enfadonha, deprimente. Quando abrimos os olhos para as pequenas delicadezas que
nos são concedidas todos os dias...a vida fica tão leve... Às vezes sentimos os
pés a sair do chão...Isso é flutuar...isso é PAZ...e por isso...haja GRATIDÃO!...Quase aquela sensação de nos deitarmos na relva… esquecer o tempo… olhar para o
céu...desenhar as nuvens, sentir o cheiro da SERENIDADE...escutando as batidas
do nosso coração...
E quando a noite cai...as estrelas guiam-nos.... isso é uma lição...aprendemos que nem todas as coisas precisam de razão.
"A meditação consiste simplesmente em seres tu e saberes o que isso significa. É dar-se conta que estás no caminho. Quer gostes ou não, é o caminho da tua vida".
Jon Kabat-Zinn
E ainda temos o MAR, ai o
MAR:
MAR SONORO
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen in 'O Dia do Mar'
E o AMOR (ai esse difícil de achar, e que todos procuram):
PROCURO-TE
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre – procuro-te.
Eugénio de Andrade
In As Palavras Interditas
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te.
antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre – procuro-te.
Eugénio de Andrade
In As Palavras Interditas
SONETO CV
ResponderEliminarNão chame o meu amor de idolatria
Nem de ídolo realce a quem eu amo,
Pois todo o meu cantar a um só se alia,
E de uma só maneira eu o proclamo.
É hoje e sempre o meu amor galante,
Inalterável, em grande excelência;
Por isso a minha rima é tão constante
A uma só coisa e exclui a diferença.
'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo;
'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;
E em tal mudança está tudo o que primo,
Em um, três temas, de amplo movimento.
'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;
Num mesmo ser vivem juntos agora.
William Shakespeare